Embora seja vedado, no nosso ordenamento jurídico, negócios jurídicos que envolvam herança de pessoa viva, nos termos do art. 426 do Código Civil, buscando-se evitar o chamado “mercado da morte”, é plenamente compatível com o direito pátrio o planejamento em vida da sucessão na ocorrência do evento morte. Tal evidência é extraída do art. 2.018 do Código Civil que prevê como válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, desde que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários.
A partir dessa perspectiva o planejamento sucessório se apresenta como alternativa mais célere e menos custosa ao inventário, processo que no Brasil pode demorar décadas e custar boa parte do patrimônio envolvido.
Mas não são apenas esses os benefícios. Dentre os objetivos do planejamento patrimonial e sucessório podemos listar os seguintes:
- Transferência patrimonial com segurança e evitar conflitos familiares:
Dentre os principais objetivos, se não o principal, está justamente planejar a sucessão, dispondo o quê e de que forma os herdeiros, ou mesmo terceiros (desde que respeitada a legítima) receberão do patriarca/matriarca quando da sua ausência. Ao dispor a parte que caberá a cada um, e proceder a transferência do patrimônio (mas não dos direitos de fruição), evitam-se conflitos familiares baseados em percepções subjetivas de cada herdeiro acerca do que é justo ou do que é de direito, garantindo-se que a partilha se dará de acordo com a vontade do sucedente.
- Sucessão empresarial com segurança
Quando o patrimônio do patriarca/matriarca contém sociedades empresárias, o planejamento sucessório também auxiliará na sucessão empresarial. Como sabido, a maioria das empresas familiares não resiste à 3ª geração, e tal se dá por diversos fatores que vão desde a precariedade na formação de um sucessor pelo patriarca/matriarca, até conflitos entre os herdeiros na condução das atividades empresariais após a ausência dos fundadores.
Deste modo, mais do que dizer a quem cabe o quê, o planejamento sucessório auxiliará na sucessão empresarial, criando mecanismos para a manutenção do controle da sociedade no núcleo familiar (criando regras que evitem a dispersão das quotas a partir de eventos como divórcios, vendas a terceiros ou morte), a eleição dos herdeiros melhor capacitados para a administração das empresas, ou mesmo para ocupar cargos específicos na estrutura empresarial, bem como dispor acerca da criação de regras de governança, podendo, por exemplo, prever a criação de um conselho familiar ou family office, que será responsável pela tomada de decisões que envolvam o patrimônio e as atividades empresariais, mesmo após a ausência do patriarca/matriarca.
Para além dos objetivos já explanados, o planejamento sucessório também revela uma excelente oportunidade para proceder a proteção do patrimônio, evitando-se a confusão entre o patrimônio utilizado nas atividades operacionais das empresas e o patrimônio particular ou pessoal dos atores envolvidos.
Embora não se possa falar em “blindagem patrimonial”, termo bastante utilizado pelos profissionais que vendem os serviços de planejamento sucessório, uma vez que referida pretensão pode ser enquadrada em algum ilícito, bem como porque, uma vez cumpridos os requisitos da lei, é possível a desconsideração da personalidade jurídica, certo é que se cria uma camada de proteção a mais. Tal não seria necessário se no Brasil a autonomia da personalidade jurídica das empresas fosse respeitada de fato. Mas raros não são os casos em que o patrimônio do sócio é atingido por dívidas das sociedades empresárias das quais são sócios, mesmo quando não preenchidos os requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica destas.
Por fim, embora não seja o objetivo precípuo, a economia fiscal é possível ser alcançada em alguns casos no planejamento sucessório. Assim, a título exemplificativo, na sucessão mediante inventário haverá a incidência do ITCMD (Imposto De Transmissão Causa Mortis e Doação), cuja alíquota varia de 4% a 8% de acordo com o Estado e o valor do patrimônio envolvido. Os honorários advocatícios, por sua vez, considerando a Tabela de Honorários Mínimos da OAB/BA, variam de 6% (no caso de inventário extrajudicial) a 10% (no caso de inventário judicial litigioso) do patrimônio envolvido. Tem-se ainda as custas judiciais, custas cartorárias de registros e certidões.
Optando-se pelo planejamento sucessório mediante a constituição de uma holding patrimonial (por exemplo), via de regra, haverá um custo com o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) na integralização dos bens imóveis ao capital social (geralmente de 2% a 3% sobre o valor histórico ou atual do bem), havendo a possibilidade de se buscar a imunidade judicialmente. Além disso, haverá a incidência do ITCMD sobre o valor de eventuais quotas sociais doadas pelos patriarcas/matriarcas aos herdeiros, além das custas da Junta Comercial e Registros Imobiliários. Os honorários advocatícios, por sua vez, variam entre 1,5% a 3% do patrimônio envolvido. Certo é que, na maioria dos casos, mormente quando envolver patrimônio vultoso, o planejamento sucessório se apresentará menos custoso que a via do inventário, seja este judicial ou extrajudicial.
Além da economia com a sucessão em si, é possível ainda conjugar o planejamento sucessório com um planejamento tributário, mormente quando envolver o aluguel de imóveis próprios, sendo possível buscar uma tributação de 11,33% (podendo chegar a 14,53%) sobre essas receitas, em contraste a tributação de até 27,5% quando recebido pela pessoa física. Igualmente é possível perseguir uma economia tributária na compra e venda de imóveis de modo que a venda de imóveis classificados no estoque de uma Holding patrimonial será tributada a uma alíquota de 5,93%, podendo chegar a 6,73%, ao passo que na pessoa física o ganho de capital será progressivo até 15%.
Diante do exposto, o planejamento sucessório vai além da mera constituição de uma holding patrimonial, com a integralização dos bens e posterior doação das quotas aos herdeiros. Em verdade esta é apenas uma das inúmeras ferramentas que podem ser utilizadas no planejamento sucessório, e se não utilizada da forma correta pode inclusive, em determinados casos, se apresentar mais custosa. O planejamento sucessório envolve conhecimentos multidisciplinares, exigindo do profissional o trânsito entre o direito de família, sucessório, societário e tributário. Para além disso, diversas são as ferramentas que poderão ser utilizadas, de acordo com a necessidade do caso concreto, que variam desde a utilização de testamento, doações com encargos, seguros e planos de previdências, até a formatação de estruturas societárias complexas.
Por isso, constatado como necessidade um ou mais dos objetivos acima listados, recomenda-se a procura de um profissional capacitado para elaboração de um planejamento sucessório seguro e perene, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Afinal não existe receita de bolo. Não existe planejamento sucessório copia e cola.
Gustavo Niella, Advogado da Área de Direito Empresarial, Direito de Insolvência e Compliance