ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E O DIREITO INTERTEMPORAL

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) foi inserido, com força de lei, no ordenamento jurídico nacional por meio da lei 13.967/2019, chamado Pacote Anticrime, por meio da inclusão do art. 28-A no Código de Processo Penal. Trata-se se instituto já conhecido no Direito brasileiro, notadamente, em razão de sua previsão anterior já na Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público que foi reproduzida, em grande parte, pela sobredita lei.

Entre alguns dos requisitos que autorizam o Ministério Público a propor o benefício estão, (i) tratar-se de crime com pena mínima inferior a 04 anos; (ii) não ter sido cometido com violência ou grave ameaça; (iii) não ser vítima mulher em situação de violência doméstica; (iv) não se tratar de autor reincidente ou criminoso habitual; (v) não ter sido beneficiado, nos últimos 05 anos, por acordo de não persecução, transação penal ou suspensão condicional do processo; (vi) confissão, formal e circunstanciada, do crime.

Ao final, sendo cumpridas todas as condições ofertadas pelo Ministério Público, aceitas pelo beneficiário e homologadas pelo Juízo, será decretada a extinção da punibilidade, de modo que, o único efeito penal previsto seria de manter a informação da concessão do benefício com vistas à análise de eventual novo Acordo.

Dito isto, trata-se, portanto, de norma com caráter híbrido. Assim, tanto traz conteúdo de Direito Processual, quanto de Direito Material, já que regula o procedimento e se traduz em hipótese de extinção da punibilidade.

Após a publicação da lei questionamentos surgiram sobre sua retroatividade benéfica e o alcance aos procedimentos em curso. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (HC 191464, 1ª Turma, julgado em 11/11/2020) e o Superior Tribunal de Justiça (HC 607.003-SC, 5ª Turma, julgado em 24/11/2020), em julgamentos sem efeito vinculante, entenderam pela hibridez da norma jurídica e estabeleceram os limites de sua aplicação aos procedimentos já em curso.

Conforme restou assentado, o marco temporal deve ser o recebimento da Denúncia, já que é o ato que finaliza a fase pré-processual e inaugura a fase processual da persecução penal. Assim, considerada a data em que entrou em vigor a Lei 13.964/2019 (23 de janeiro de 2020), o ANPP seria aplicável a fatos ocorridos anteriormente, desde que a denúncia ainda não tenha sido recebida.

Com as vênias, o entendimento que melhor aplica a retroatividade benéfica da lei penal é o que possibilita a oferta do benefício em todos os processos que ainda não tenham trânsito em julgado, dado que se trata de benefício com possibilidade de gerar extinção da punibilidade. Com isso, ainda que houvesse a suspensão de processos em curso, em caso de ser aceito o benefício, p.e., a possibilidade de encurtar a via executória e possibilitar a extinção da punibilidade sobreleva em importância por gerar celeridade, economia processual e a consagração da instrumentalidade das formas.

Negada a comissão a empregado que efetuava a venda de produtos de empresas do mesmo grupo econômico.

A quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho excluiu da condenação imposta ao Banco Bradesco S.A, o pagamento de comissão a um gerente de contas de Manaus, pela venda de produtos de instituições do mesmo grupo econômico. 

A Corte Regional deferiu à Reclamante o pagamento de comissão, referente a um plus salarial no percentual de 10%, em razão da realização da venda de produtos inerentes às atividades econômicas de instituições pertencentes ao mesmo grupo econômico do Reclamado (cartão de crédito, seguros, planos de previdência). 

Em sede de Recurso de Revista, o Tribunal Superior do Trabalho reformou a decisão, embasando-se na previsão do art. 456, parágrafo único, da CLT que dispõe que “à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal”. 

A Turma argumentou ainda que, a comercialização de produtos de outras empresas do grupo econômico do Reclamado é compatível com o rol de atribuições do bancário. Por fim, concluiu que não há empecilho a que, ainda que não discriminadas expressamente no contrato de trabalho, sejam tais atividades remuneradas pelo salário fixo ajustado.

Processo: RR-627-44.2017.5.11.0012. 

Julgamento: 27/10/2020

NOVA TRANSAÇÃO EXCEPCIONAL

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) por meio da portaria 1.696, de 10 de fevereiro de 2021 recriou a transação excepcional.

A media engloba um novo pacote de ações para o enfrentamento da crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus, onde as empresas e pessoas físicas poderão parcelar os débitos do ano de 2020 entre março e dezembro.

Para isso será necessária uma entrada de 4% do valor total do débito, que pode ser parcelado em até 12 meses, e o saldo restante em até 72 meses para empresas e 133 meses para pessoas físicas. Poderão aderir ao parcelamento empresários individuais, micro e pequenas empresas, instituições de ensino, santas casas de Misericórdia, cooperativas e demais organizações da sociedade civil.

Diferente da transação anterior que só abrangia a renegociação para dívidas classificadas como C ou D, agora a PGFN avaliará a capacidade de pagamento do contribuinte, considerando os impactos econômicos e financeiros decorrentes da pandemia.

A Nova Lei de Falência e suas principais alterações

Publicada no diário oficial no dia 24.12.2020, a Lei nº 14.112, que vem sendo chamada de nova lei de recuperação judicial e falência, empreendeu substantivas alterações na Lei n. 11.101/2005, passando a surtir efeitos a partir de 23.01.2020, visa trazer mais segurança e eficiência ao processo de recuperação judicial e falência de empresas.

Dentre as principais alterações promovidas pela novel legis, tem-se as seguintes.

  • Com a nova lei o stay period, intervalo de suspensão das execuções e atos de constrição contra o devedor por credores sujeitos ao processo, poderá ser prorrogado por igual período e uma vez, desde que a impossibilidade de votação do plano não seja atribuída ao devedor. Prevê ainda a possibilidade de uma segunda prorrogação caso os credores apresentem plano de recuperação judicial alternativo.
  • Outra importante alteração foi a previsão expressa de necessidade de respeito à convenção de arbitragem pela recuperada ou pela falida, caso em que esta será representada pelo Administrador Judicial (art. 6º, § 9º).
  • Outra previsão que antes a Lei era silente diz respeito a distribuição de lucros ou dividendos. A nova lei prevê expressamente a proibição do devedor distribuir lucros ou dividendos aos sócios ou acionistas, até a aprovação do plano (art. 6-A).
  • Ademais, a lei prevê a possibilidade de cessão ou promessa de cessão de crédito, devendo, a mesma, ser comunicada imediatamente ao juízo da recuperação, além de prever que na falência qualquer cessão de crédito manterá a classificação e as características do crédito (art. 83, §5º).
  • A lei ainda prevê que a mediação e a conciliação deverão ser incentivadas antes e durante a recuperação judicial, em qualquer grau de jurisdição.
  • Quanto a Assembleia Geral de Credores a lei trouxe a possibilidade de realização virtual ou substituição por termo de adesão firmado por credores que satisfaçam o quórum de aprovação específico.
  • Há agora previsão expressa para a constatação prévia, facultando ao juiz a sua realização quando entender necessário.
  • Importante inovação foi a previsão do dip financing, que consiste em financiamento concedido ao devedor com superprioridade.
  • Com a nova legislação, o Fisco, embora mantenha a ilegitimidade para requerer a falência do devedor, passa a ter legitimidade para requerer a convolação da recuperação judicial em falência, quando a) haja o descumprimento dos parcelamentos dos débitos fiscais ou da transação tributária; ou b) quando for identificado esvaziamento patrimonial do devedor que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo a credores não sujeitos à recuperação judicial, como o próprio Fisco.
  • Passa a ter previsão expressa do fresh start como princípio a ser buscado na falência.  

 

A nova redação conferida à Lei de Recuperação de Falência de Empresas comporta ainda diversas alterações, no entanto, o que tem causado mais atenção são os vetos do Poder Executivo em trechos da lei que conferiam espécies de benefícios fiscais ao recuperando, contrapartida negociada com o Ministério da Economia para todos os poderes e prerrogativas conferidas ao Fisco na nova legislação.

A COBRANÇA POR MUNICÍPIO DE MULTA AMBIENTAL JÁ PAGA A UNIÃO FEDERAL PELO MESMO FATO NÃO CONFIGURA BIS IN IDEM

A Constituição Federal, em seu artigo 225, atribui aos diversos entes da federação a competência comum para proteção e preservação do meio ambiente. É dizer: o poder-dever de zelar e proteger o meio ambiente é comum entre todos os entes federativos, especialmente conforme aduz a Lei Complementar n. 140/2011.

Como a competência ambiental é comum, surgiu dúvida quanto à possibilidade de cobrança de multa por mais de um ente federativo relativo a um mesmo fato. Para sanar a questão, o artigo 76 da Lei de Crimes Ambientais assentou que o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência. 

Como se pode perceber, o legislador infraconstitucional adotou o critério de que prevalece a competência exercida pelos Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios sobre a competência da União Federal, o que é passível de questionamento quanto à constitucionalidade, eis que a Carta Magna é enfática ao estabelecer o regime de cooperação entre os entes federativos no tocante à proteção do meio ambiente, não havendo qualquer hierarquia. Contudo, até o momento do Supremo Tribunal Federal não foi instado a se manifestar.

Nesse sentido, tem-se que, atualmente, o pagamento de multa imposta pela União não afasta a possibilidade de cobrança por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. Exatamente por esse motivo, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.132.682/RJ, estabeleceu que “a cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem.” (Informativo 667/2020).

Concorrência desleal e a contemporaneidade dos pedidos de registros de marca.

A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que trata da Propriedade Industrial no Brasil em seu artigo 195 define como crime de concorrência desleal quem adota a conduta de usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou, ainda, vender ou expor produto com esses sinais.

Analisando o tratamento dispensado pela legislação sobre marca, a lei da Propriedade Industrial a define em seu artigo 122 como “sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”. Ressalte-se que para existir o direito de exploração exclusiva sobre o signo de distinção (marca) é necessário seu registro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A marca diferencia produtos e serviços semelhantes ou afins, de modo que o consumidor saiba exatamente distinguir o que está comprando ou contratando, sem que haja confusão.

Em 28 de janeiro de 2021 uma decisão judicial chamou a atenção pela disputa sobre o uso de uma expressão por duas marcas diferentes. A renomada Chef de cozinha Bela Gil, detentora das marcas “Bela Cozinha” e “Bela Gil”, acusou a empresa Comercial Faju LTDA de adotar práticas de concorrência desleal ao utilizar o nome “Bela” associado a um produto que faz referência a gastronomia, pois a empresa comercializa a goma de tapioca “Bela Chef” e segundo Bela Gil a empresa estaria buscando associar a imagem e o sucesso obtido por ela ao produto comercializado, visando confundir os consumidores que entenderiam que o produto tem ligação com a Chef.

Embora reconhecendo que a proteção da marca tem como prioridade a repressão a concorrência desleal, a Vigésima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não concedeu efeito suspensivo ao recurso de apelação utilizado pela Chef, mantendo por ora os efeitos da sentença de 1º grau, que reconheceu que quando do registro da marca da tapioca o programa de Bela Gil ainda não possuía relevância e notoriedade capaz de fazer com que os consumidores associassem a marca da tapioca ao nome dela, tendo em vista ainda a “contemporaneidade dos pedidos de registros de marca de ambas as partes”

Sendo ainda consideradas marcas distintas, fica ressaltada a impossibilidade da apropriação da palavra “bela” por parte da autora da ação, por ser palavra de uso comum na língua portuguesa. A sentença ainda reconheceu que o símbolo do chapéu de chefe na marca da tapioca também não é considerado como ação censurável, pois simboliza a profissão de chef que, segundo o Juízo da primeira instância, apenas identifica uma profissão ligada a gastronomia.

Assim, por ora, visto que o mérito da apelação não foi julgado, não se verificou a prática de concorrência desleal ou qualquer tipo de ação fraudulenta por parte dos detentores da marca da tapioca, tendo em vista que para além da contemporaneidade do registro das marcas, a distintividade entre elas não tem o poder de confundir o consumidor comum, induzindo a erro e criando vantagem indevida para a empresa acionada, não sendo vislumbrado a existência de conduta censurável ou má-fé. Por enquanto, coexistirão as marcas, pois quando do depósito uma não houve influência ou mesmo interferência no registro da outra, de modo que guardam entre si a distintividade necessária a guiar seus consumidores.

CARF profere decisão em que afasta a aplicação de multa sobre denúncia espontânea realizada por Compensação

Com resultado Pró-Contribuinte, o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – entendeu que a denúncia espontânea pode ser, também, definida quando houver a realização do instituto da compensação de montante tributário.

Dessa forma, havendo passivo tributário e, simultaneamente, crédito da Fazenda Pública perante o Contribuinte, poderá ser exercido o Instituto da Denúncia Espontânea. Todavia, em decisão do dia 20 de janeiro do corrente ano, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, definiu que a compensação se trata de meio viável e equivalente ao pagamento, não sendo aplicável multa de mora ao caso.

Este julgado se deve ao envolvimento de uma empresa prestadora de serviços e comércio de produtos, denominada “Limpar” que, antes de ser autuada por retardamento no pagamento do PIS, compensou o crédito na exigência dos demais tributos, a exemplo IRPJ e Cofins.

Após compensação, a fiscalização da Receita Federal do Brasil impôs multa por compreender que este instituto não constitui meio equivalente ao pagamento para fins de extinção do crédito tributário. 

O CARF, em voto de qualidade, decidiu que a compensação é forma de pagamento para fins de aplicação da Denúncia Espontânea. Este posicionamento abre precedente e causa insegurança jurídica devido a anterior entendimento sedimentado na Câmara Superior determinando a impossibilidade do cancelamento de multa após o reconhecimento da denúncia espontânea, tendo por justificativa que estes institutos jurídicos possuem distinta forma de extinção do crédito tributário.

  • Processo n° 10805.000996/2006-45