SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 4002

RECEITA FEDERAL PUBLICA SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 4002

03 de fevereiro de 2020 l Receita Federal do Brasil

Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep.

Ementa: ENTES PÚBLICOS. REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. RETENÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS AO RPPS. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP DO ENTE ARRECADADOR. CONTRIBUIÇÃO PRÓPRIA AO RPPS. IMPOSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP DO ENTE PATRONAL. TRANSFERÊNCIAS OBRIGATÓRIAS. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ENTE TRANSFERIDOR. TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS. CONVÊNIO, CONTRATO DE REPASSE OU INSTRUMENTO CONGÊNERE, COM OBJETO DEFINIDO. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ENTE BENEFICIÁRIO. FUNDO NACIONAL DE SAÚDE. TRANSFERÊNCIAS REGULARES E AUTOMÁTICAS AOS FUNDOS DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. NATUREZA DE TRANSFERÊNCIAS OBRIGATÓRIAS.

Conforme explicitado na Solução de Consulta nº 278 – Cosit, de 2017, as contribuições ao RPPS retidas dos segurados por ente meramente arrecadador sofrem tributação da Contribuição para o PIS/Pasep apenas quando de sua transferência para o ente que detém a titularidade de tal receita, devendo ser excluídas da base de cálculo do ente transferidor. Lado outro, as contribuições patronais ao RPPS devidas ao ente gestor respectivo não podem ser deduzidas da base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep do ente contribuinte, uma vez que não constituem transferências correntes ou de capital. Por força do disposto nos arts. 2º, §7º, e 7º da Lei nº 9.715, de 1998, a Contribuição para o PIS/Pasep não incide duplamente sobre as transferências constitucionais, legais e voluntárias, conforme esclarecido pela Solução de Consulta nº 278 – Cosit, de 2017.

Consoante o caput do art. 18 e o art. 22 da Lei Complementar nº 141, de 2012, as transferências de recursos do Fundo Nacional de Saúde aos fundos de saúde controlados pelos estados, Distrito Federal e municípios efetuadas de modo regular e automático são enquadradas na classe das transferências obrigatórias, situação distinta das transferências voluntárias de que trata o art. 18, parágrafo único, do mesmo diploma legal.

SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 278 – COSIT, DE 1º DE JUNHO DE 2017.

Dispositivos Legais: Lei nº 9.715, de 1998, arts. 2º e 7º.

O CRIME DE NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS

INFORMATIVO 964 DO STF: O CRIME DE NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS, NOS TERMOS DO ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/1990

RHC 163334/SC l Supremo Tribunal Federal

O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei 8.137/1990. Com essa orientação, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus e revogou a liminar anteriormente concedida.

Na situação dos autos, sócios e administradores de uma empresa declararam operações de venda ao Fisco, mas deixaram de recolher o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) relativamente a diversos períodos. Por três vezes, a empresa aderiu a programas de parcelamentos da Fazenda estadual, mas não adimpliu as parcelas. Os ora recorrentes foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Na primeira instância, o juízo os absolveu sumariamente por considerar a conduta atípica. Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça local afastou a tese da atipicidade e determinou o regular prosseguimento do processo. Ato contínuo, a defesa impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) (HC 399.109). Naquela Corte, a Terceira Seção, por maioria, asseverou ser inviável a absolvição sumária, notadamente quando a denúncia descreve fato que contém a necessária adequação típica e não há excludentes de ilicitude. Salientou que eventual dúvida quanto ao dolo de se apropriar deverá ser esclarecida com a instrução criminal. Daí a interposição do presente recurso ordinário, no qual se requeria a declaração da ilegalidade do acórdão do tribunal de justiça, com o objetivo de restabelecer a sentença que os absolvia sumariamente.

EMPRESAS QUE POSSUEM DÉBITOS FISCAIS

EMPRESAS QUE POSSUEM DÉBITOS FISCAIS NÃO PODEM SER AUTOMATICAMENTE INCLUÍDAS NO SIMPLES NACIONAL, DECIDE O TRF-1

06 de fevereiro de 2020 | Tribunal Regional Federal da 1º Região | Processo nº 0009355-62.2007.4.01.3900/PA

Empresas de pequeno porte em débito com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal não podem recolher o tributo na forma do programa Simples Nacional. Com esse entendimento, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) entendeu que uma instituição empresarial não poderia ser incluída no programa em virtude da existência de débitos ficais com exigibilidade não suspensa. O relator, juiz federal convocado Alexandre Buck Medrado Sampaio, afirmou, em seu voto, que as regras de adesão ao Programa é faculdade e não um dever do contribuinte. Segundo o magistrado, a apelante também não conseguiu trazer documentos que demonstrassem que o debito com aP FN estaria com a exigibilidade suspensa.

CARF: COMPENSAÇÃO DE PIS E COFINS

CARF: COMPENSAÇÃO DE PIS E COFINS NOS GASTOS COM PUBLICIDADE POR VAREJISTAS

31 de janeiro de 2020 | Conselho Administrativo de Recursos Fiscais | Processo nº 10540.721182/2016-78

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu que ações casadas de publicidade entre varejistas e a indústria de eletroeletrônicos podem gerar créditos tributários. Durante o julgamento, o colegiado entendeu que a varejista Lojas Insinuante, pertencente ao mesmo grupo da Ricardo Eletro, pode compensar PIS e Cofins de verbas publicitárias recebidas da indústria que fornece os produtos a serem vendidos nas lojas. Como consequência da decisão, a empresa conseguiu uma vitória avaliada em R$ 130 milhões. Por maioria de votos, o colegiado seguiu o relator Corintho Oliveira Machado e entendeu que a publicidade é essencial e relevante à atividade da rede de lojas e, portanto, um insumo gerador de crédito tributário a ser abatido.

CARF: EQUIPAMENTO HOSPITALAR IMPORTADO

CARF: EQUIPAMENTO HOSPITALAR IMPORTADO É ISENTO DE IPI

04 de fevereiro de 2020 | Conselho Administrativo de Recursos Fiscais | Processo nº 12907.000283/2004-05

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), no julgamento do Processo n. 12907.000283/2004-05, reconheceu a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na importação de equipamentos médico-hospitalares, em atendimento ao pleito da Sociedade de Assistência à Maternidade Escola Assis Chateaubriand.

Um pouco do caso: a Receita Federal entendeu que a sociedade de assistência médica não teria apresentado uma declaração do Ministério da Saúde reconhecendo que a entidade presta serviços beneficentes sem finalidade lucrativa – declaração considerada, pelas regras aduaneiras da época do acontecimento, em 2004, uma das condições legais para a isenção de IPI. Com a falta da declaração, a mercadoria foi liberada mediante assinatura de Termo de Responsabilidade para que, no prazo de 90 dias, o contribuinte apresentasse a declaração. Transcorrido o prazo, a entidade não apresentou a manifestação solicitada, fato que gerou a autuação por parte da Receita Federal. A sociedade de assistência médica apresentou então um recurso no Carf para ter o direito à isenção reconhecida.

ISENÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA

ISENÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA É AMPLIADA PARA APOSENTADOS

07 de fevereiro de 2020 | Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Planos de previdência privada de aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que conseguirem comprovar doenças graves, poderão ser sacadas integralmente e com o benefício da isenção do Imposto de Renda 2020. Esta decisão partiu do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que julgou procedente o pedido feito por um aposentado de 70 anos que convive com o câncer. O requerente conseguiu, através da afirmativa, resgatar a quantia total de R$ 170 mil do seu Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) – modalidade da previdência privada que tem como finalidade a acumulação de recursos ao longo do tempo, o que ajuda a complementação de renda na aposentadoria – que servirá para arcar com os custos do tratamento médico que será realizado para tratar de sua patologia.

NOVIDADES TRABALHISTAS

CARTEIRA DE TRABALHO DIGITAL: SAIBA COMO FAZER

A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é um documento obrigatório para toda pessoa que venha a prestar algum tipo de serviço, seja na indústria, no comércio, na agricultura, na pecuária ou mesmo de natureza doméstica. Visando modernizar o acesso às informações da vida laboral do trabalhador o Ministério da Economia lança a CARTEIRA DE TRABALHO DIGITAL, em substituição a Carteira de Trabalho física, disponível para os cidadãos através de Aplicativo para celular nas versões iOS e Android e Web. Para acessar o documento, basta baixar gratuitamente o aplicativo na loja virtual (Apple Store da Apple e no Play Store do Android). Ou acessar via Web, por meio do link https://servicos.mte.gov.br/. O objetivo é facilitar a vida dos trabalhadores que terão o documento à mão sempre que precisarem fazer uma consulta. Todas as experiências profissionais formais estarão no aplicativo.

CARNAVAL – É OU NÃO FERIADO? FOLGA AUTOMÁTICA PODE GERAR ALTERAÇÃO CONTRATUAL 

Embora muitos brasileiros folguem na terça-feira de carnaval e nos dias que antecedem, a data não é feriado nacional. Definidos por lei federal, os feriados nacionais são apenas: 1.º de janeiro, 21 de abril, 1.º de maio, 7 de setembro, 12 de outubro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro. O carnaval só é considerado feriado nos Estados ou municípios onde há lei específica nesse sentido. Assim, uma empresa poderá exigir que os funcionários trabalhem nesse período, dependendo a folga de um acordo prévio entre empregado e patrão. O empregador pode optar por dispensar o funcionário. Nesse caso, não pode haver qualquer tipo de desconto na remuneração mensal dos empregados, aplicação de advertências ou outras sanções pelo não comparecimento ou compensação de horas posteriormente.

SEGURO-DESEMPREGO PODERÁ TER DESCONTO DE INSS A PARTIR DE MARÇO

Brasileiros devem ficar atentos as mudanças no seguro-desemprego. Desde o lançamento do programa Verde e Amarelo o governo federal vem anunciando reformulações no funcionamento do benefício. Atualmente, o valor do seguro-desemprego varia de R$ 1.045 a R$ 1.735,29, sendo definido a partir da renda mensal do trabalhador. O cálculo leva em consideração os três últimos salários recebidos antes da demissão. Caso seja aprovada, a MP fará com que a contribuição previdenciária, em forma de descontos no seguro desemprego, variem entre 7,5% e 11% a depender do valor do benefício. As cobranças deverão ser iniciadas a partir de março e só serão válidas para os contratos firmados a partir de janeiro de 2020.

(Parte 2) Em 2020 o orçamento passou a ser impositivo.

O que muda na gestão pública?

Vimos em outra oportunidade (link) que a EC n. 100/2019 incluiu um novo parágrafo no art. 165 da Constituição, alterando a natureza jurídica do orçamento, tornando-o impositivo. A sua redação é singular: “Art. 165. § 10. A administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.

Até então, a impositividade se circunscrevia às emendas individuais e de bancada, o que gerava efeito contrário: ao revés de se fortalecer a lei orçamentária, tal impositividade resultava no seu enfraquecimento, pois a única obrigação a ser cumprida voltava-se ao interesse vertido nessas emendas. Para os parlamentares, valia o entendimento de que, se o orçamento total não pode ser impositivo, deve-se buscar a impositividade possível, qual seja, de parte de suas emendas.

Sendo assim, o Executivo era livre para não cumprir o orçamento ou para contingenciar uma despesa, de modo completamente discricionário, exceto nas emendas impositivas. Agora a regra se inverte: seu dever é executar todas as programações constantes do orçamento. Na hipótese de não o fazer, deverá justificar com razões robustas essa não ocorrência. Essa a dinâmica imposta pela EC n. 100/2019.

Algumas consequências são esperadas desse entendimento, sendo certo que, de todo modo, o Legislativo restou fortalecido quando comparado ao Executivo.

No antigo modelo, o gestor podia executar ou não as despesas fixadas no orçamento, sem necessidade de justificativa; agora, tem o dever de executar o que ali está descrito, justificando a impossibilidade. Essa impositividade reduz a “barganha” entre o Legislativo e o Executivo para liberação de emendas orçamentárias e exige maior planejamento na elaboração do orçamento.

E é justamente um orçamento bem planejado que impedirá o Executivo de ser “refém” do Legislativo. É que, como está no Executivo o aparato técnico para o planejamento das ações orçamentárias, e como é dele a iniciativa do orçamento, tem-se que os programas ali vertidos, se bem elaborados, minimizarão o receio de um orçamento impositivo, pois é factível a sua execução. O tema crucial do orçamento, que é planejar, continua na esfera do Executivo.

Por outro lado, a impositividade do orçamento reacende nos órgãos de controle, aí incluindo o controle popular, maior interesse na sua fiscalização. Nesse sentido, um orçamento que deva ser cumprido (impositivo) permite, não apenas ao Legislativo, mas a toda sociedade, exigir dos órgãos de execução a tomada de medidas com vistas ao cumprimento dos programas ali presentes. Os programas deverão ser fiscalizados passo a passo, seja em relação ao cumprimento de suas metas, seja quanto à avaliação dos resultados, nos termos do art. 74, incisos I e II da Constituição. Daí, vale repetir, o Executivo deve estar atento para a importância de uma programação que inclui um cronograma de análise dos projetos e sua viabilidade, bem como o apontamento dos impedimentos e outras medidas com vistas a se cumprir o que foi aprovado em lei. Orçamentos não planejados trarão uma série de problemas ao gestor. Sua judicialização é certa.

Tudo isso forçará o Executivo a planejar-se para elaborar um projeto de lei orçamentária possível de ser cumprido e não mais meras peças de ficção de pequeno valor jurídico. Agora, deverá esmerar-se em estudar corretamente a fixação das despesas e encontrar justificação razoável para não cumprir determinada programação orçamentária. Impedimentos de ordem técnica ou legal, bem como limitações fiscais necessárias à manutenção da política fiscal, deverão ser claramente provados. Surge agora um dever sério de executar os programas ou justificar a sua impossibilidade.

Além de tudo isso, compete ao Congresso, quanto às emendas impositivas, ter o claro discernimento de que está protegendo o interesse público na indicação dos gastos, a merecer controle dos órgãos de fiscalização à altura da complexidade das reais intenções envolvidas. No ponto, continua válida e inalterada a regra do art. 166, § 3º da Constituição Federal no sentido de que as emendas parlamentares não podem elevar o montante de despesas do orçamento. Para a sua consecução, deve haver cancelamento em outras programações constantes do orçamento, dado que o montante global das despesas é pré-definido e não é alterado com a aprovação das aludidas emendas.

Por fim, o orçamento impositivo muda radicalmente o tratamento dado pelo Judiciário a essa norma. É que, diante de uma lei material como é o orçamento, não poderá o Judiciário modificá-lo ou deixar de cumpri-lo, como visto em reiteradas decisões, com a alegação de que o orçamento é mera lei em sentido formal. A mudança de entendimento eleva o orçamento ao patamar das demais leis que só podem ser afastadas pelas regras de controle de constitucionalidade existentes.

A EC n. 100/2019 chegou em boa hora. Não era correto ter como impositivas apenas as emendas dos parlamentares. Essa impositividade parcial revelava ausência de interesse político no cumprimento do orçamento como um todo, ou no cumprimento de políticas públicas aprovadas no orçamento. Apenas o pequeno percentual do orçamento voltado às emendas e aos interesses privados eram executadas. Com a nova redação incluída pela EC n. 100/2019, tem-se que todas as políticas públicas presentes no orçamento devem ser executadas, a fim de se garantir a entrega efetiva de bens e serviços à sociedade.

O planejamento torna-se a principal ferramenta para que o orçamento seja realmente cumprido.

 

Harrison Leite
Professor de Direito Tributário e Financeiro da UFBA e da UESC. Advogado.

(Parte 1) Em 2020 o orçamento passou a ser impositivo.

O que muda na gestão pública?

Ainda pouco comentada, a Emenda Constitucional n. 100, de 26 de junho de 2019, trouxe radical mudança no tratamento jurídico dado ao orçamento público. Até então, a maioria da doutrina e a unânime jurisprudência eram no sentido de que o orçamento é lei autorizativa e não impositiva. Isso porque é lei que não cria gastos, apenas os autoriza.

Com esse entendimento o Legislativo fixa um teto de gastos, que pode ou não ser observado, conforme a vontade do Executivo. A título de exemplo, a autorização no orçamento para a construção de uma escola, não obriga o Executivo a sua realização, visto que o orçamento não obriga a efetivação das despesas nele previstas. Antes, tão-somente, autoriza que aludida obra seja realizada, cabendo ao Executivo realizá-la ou não. É, portanto, uma lei que autoriza o Estado a efetuar as suas despesas, mas não o obriga. Autoriza, mas não impõe.

Sabendo que pode ou não ser cumprido, o orçamento sempre foi chamado de “lei de ficção”, “lei de meios” e nunca atraiu a população para a fiscalização do seu cumprimento.

No entanto, a EC n. 100/2019 acresceu o § 10 no art. 165 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “§ 10. A administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.

Antes dessa redação, duas outras alterações tinham criado uma impositividade no orçamento, mas tão-somente das emendas parlamentares individuais e de bancada. As emendas individuais impositivas advieram com a EC n. 86/2015, que obrigou o Executivo a vincular o percentual de 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do Orçamento da União a esses gastos; e as emendas de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal vieram com a EC n. 100/2019, que vinculou mais 1% da RCL a esses gastos. Agora são 2,2% da RCL da União que são vinculados para os parlamentares e suas emendas. De uma RCL de quase um trilhão de reais, tem-se uma ideia do percentual de emendas vinculadas aos parlamentares, o que mais parece exercício do patrimonialismo na alocação político-eleitoral do que um gasto aderente ao planejamento setorial. Prevaleceu entre eles o entendimento de que, se o orçamento total não pode ser impositivo, deve-se buscar a impositividade possível, qual seja, de parte de suas emendas.

A impositividade parcial do orçamento foi fruto do descaso do Executivo com o Legislativo, pois todas as emendas parlamentares, após aprovadas, precisavam voltar à “mesa de negociação” para serem posteriormente liberadas. Com a impositividade das emendas, pelo menos nesse ponto o Executivo não podia mais recuar, exceto se algum impedimento técnico fosse constatado.

Esse clima de “gastar se quiser” tornou o Executivo um superpoder, fortaleceu o fisiologismo, desvalorizou o Legislativo e impediu de o Judiciário encarar os temas orçamentários com maior seriedade.

Foi nesse cenário que o Legislativo promulgou a EC n. 100/2019, no sentido de que, não apenas as emendas parlamentares individuais e de bancada são impositivas, mas todo o orçamento. Pela nova redação, tornou-se agora norma jurídica expressa o dever de cumprir o orçamento conforme aprovado pelo Legislativo. Consequência lógica é que a natureza jurídica do orçamento passou a ser de lei impositiva, como as demais leis, de sorte que, é bom repetir, a administração tem o dever de “executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”. A discricionariedade do Executivo perdeu espaço para o dever de cumprir a lei mais importante da nação. Agora, o que foi planejado no orçamento deve ser cumprido.

Não se trata de opção, de norma programática, de mera facultatividade. A palavra “dever” não é ambígua ou imprecisa. Por outro lado, sua inserção não foi inútil e claramente não encerra opção no seu cumprimento. Todos os sinônimos que povoam o seu círculo hermenêutico (compromisso, incumbência, obrigação, responsabilidade, encargo) deixam claro que uma responsabilidade foi imputada a alguém e que deve ser cumprida.

Por óbvio, e parece singelo afirmar, essa impositividade requer contextualização com o tema da execução financeira, visto que aplicar um orçamento conforme aprovado requer a convergência de diversos fatores. Portanto, assim como a emenda impositiva não será de execução obrigatória nos casos dos impedimentos de ordem técnica (art. 166, § 13 da CF), com igual razão o orçamento, se houver alguma razão justificadora do seu não cumprimento pelo Executivo. Nenhum problema haverá nessa inexecução, desde que justificada. O dever de contingenciamento é previsto e plenamente aplicável quando presentes os seus requisitos.

Lado outro, importante ressaltar que a Constituição não previu qualquer mecanismo que permita ao Executivo solicitar o “não cumprimento” do orçamento. Significa que a regra é cumpri-lo sempre, sendo a exceção sua não execução, dentro dos critérios lógico-sistemáticos impeditivos de seu cumprimento. No ponto, há elevada necessidade argumentativa de justificar o porquê da não execução das programações orçamentárias.

Até então o Executivo era livre para não cumprir o orçamento ou para contingenciar uma despesa, de modo completamente discricionário. Agora a regra se inverte: seu dever é executar todas as programações constantes do orçamento. Na hipótese de não o fazer, deverá justificar com razões robustas essa não ocorrência. Essa a dinâmica imposta pela EC n. 100/2019.

Importante que os órgãos de fiscalização estejam atentos a eventuais descumprimentos da lei orçamentária, com a lembrança de que atentar contra ela é incorrer claramente em crime de responsabilidade (art. 85, VI da CF). Não é necessária outra norma expressa nesse sentido.

Daí a atenção aqui pontuada: prefeitos e governadores, estejam alertas à execução da lei orçamentária conforme aprovada. O seu descumprimento poderá ensejar, dentre outras consequências, a judicialização das normas ali descritas e crime de responsabilidade. Orçamento agora é lei de verdade e tem de ser cumprido. 

Harrison Leite – Professor de Direito Tributário e Financeiro da UFBA e da UESC. Advogado.