(Parte 2) Em 2020 o orçamento passou a ser impositivo.

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O que muda na gestão pública?

Vimos em outra oportunidade (link) que a EC n. 100/2019 incluiu um novo parágrafo no art. 165 da Constituição, alterando a natureza jurídica do orçamento, tornando-o impositivo. A sua redação é singular: “Art. 165. § 10. A administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.

Até então, a impositividade se circunscrevia às emendas individuais e de bancada, o que gerava efeito contrário: ao revés de se fortalecer a lei orçamentária, tal impositividade resultava no seu enfraquecimento, pois a única obrigação a ser cumprida voltava-se ao interesse vertido nessas emendas. Para os parlamentares, valia o entendimento de que, se o orçamento total não pode ser impositivo, deve-se buscar a impositividade possível, qual seja, de parte de suas emendas.

Sendo assim, o Executivo era livre para não cumprir o orçamento ou para contingenciar uma despesa, de modo completamente discricionário, exceto nas emendas impositivas. Agora a regra se inverte: seu dever é executar todas as programações constantes do orçamento. Na hipótese de não o fazer, deverá justificar com razões robustas essa não ocorrência. Essa a dinâmica imposta pela EC n. 100/2019.

Algumas consequências são esperadas desse entendimento, sendo certo que, de todo modo, o Legislativo restou fortalecido quando comparado ao Executivo.

No antigo modelo, o gestor podia executar ou não as despesas fixadas no orçamento, sem necessidade de justificativa; agora, tem o dever de executar o que ali está descrito, justificando a impossibilidade. Essa impositividade reduz a “barganha” entre o Legislativo e o Executivo para liberação de emendas orçamentárias e exige maior planejamento na elaboração do orçamento.

E é justamente um orçamento bem planejado que impedirá o Executivo de ser “refém” do Legislativo. É que, como está no Executivo o aparato técnico para o planejamento das ações orçamentárias, e como é dele a iniciativa do orçamento, tem-se que os programas ali vertidos, se bem elaborados, minimizarão o receio de um orçamento impositivo, pois é factível a sua execução. O tema crucial do orçamento, que é planejar, continua na esfera do Executivo.

Por outro lado, a impositividade do orçamento reacende nos órgãos de controle, aí incluindo o controle popular, maior interesse na sua fiscalização. Nesse sentido, um orçamento que deva ser cumprido (impositivo) permite, não apenas ao Legislativo, mas a toda sociedade, exigir dos órgãos de execução a tomada de medidas com vistas ao cumprimento dos programas ali presentes. Os programas deverão ser fiscalizados passo a passo, seja em relação ao cumprimento de suas metas, seja quanto à avaliação dos resultados, nos termos do art. 74, incisos I e II da Constituição. Daí, vale repetir, o Executivo deve estar atento para a importância de uma programação que inclui um cronograma de análise dos projetos e sua viabilidade, bem como o apontamento dos impedimentos e outras medidas com vistas a se cumprir o que foi aprovado em lei. Orçamentos não planejados trarão uma série de problemas ao gestor. Sua judicialização é certa.

Tudo isso forçará o Executivo a planejar-se para elaborar um projeto de lei orçamentária possível de ser cumprido e não mais meras peças de ficção de pequeno valor jurídico. Agora, deverá esmerar-se em estudar corretamente a fixação das despesas e encontrar justificação razoável para não cumprir determinada programação orçamentária. Impedimentos de ordem técnica ou legal, bem como limitações fiscais necessárias à manutenção da política fiscal, deverão ser claramente provados. Surge agora um dever sério de executar os programas ou justificar a sua impossibilidade.

Além de tudo isso, compete ao Congresso, quanto às emendas impositivas, ter o claro discernimento de que está protegendo o interesse público na indicação dos gastos, a merecer controle dos órgãos de fiscalização à altura da complexidade das reais intenções envolvidas. No ponto, continua válida e inalterada a regra do art. 166, § 3º da Constituição Federal no sentido de que as emendas parlamentares não podem elevar o montante de despesas do orçamento. Para a sua consecução, deve haver cancelamento em outras programações constantes do orçamento, dado que o montante global das despesas é pré-definido e não é alterado com a aprovação das aludidas emendas.

Por fim, o orçamento impositivo muda radicalmente o tratamento dado pelo Judiciário a essa norma. É que, diante de uma lei material como é o orçamento, não poderá o Judiciário modificá-lo ou deixar de cumpri-lo, como visto em reiteradas decisões, com a alegação de que o orçamento é mera lei em sentido formal. A mudança de entendimento eleva o orçamento ao patamar das demais leis que só podem ser afastadas pelas regras de controle de constitucionalidade existentes.

A EC n. 100/2019 chegou em boa hora. Não era correto ter como impositivas apenas as emendas dos parlamentares. Essa impositividade parcial revelava ausência de interesse político no cumprimento do orçamento como um todo, ou no cumprimento de políticas públicas aprovadas no orçamento. Apenas o pequeno percentual do orçamento voltado às emendas e aos interesses privados eram executadas. Com a nova redação incluída pela EC n. 100/2019, tem-se que todas as políticas públicas presentes no orçamento devem ser executadas, a fim de se garantir a entrega efetiva de bens e serviços à sociedade.

O planejamento torna-se a principal ferramenta para que o orçamento seja realmente cumprido.

 

Harrison Leite
Professor de Direito Tributário e Financeiro da UFBA e da UESC. Advogado.

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