A vulnerabilidade é um dos princípios básicos da Política Nacional das Relações de Consumo (PNRC), esculpida no art. 4º, I do CDC. Por meio deste princípio, resta reconhecida a natureza desequilibrada existente na relação de consumo, perfectibilizada esta pela existência de seus aspectos objetivo (fornecedor e consumidor), objetivo (produto ou serviço) e finalístico (a aquisição pelo consumidor de produto ou serviço como destinatário final).
Em contraposição ao que ocorre com a hipossuficiência, fenômeno de ordem processual que demanda um cotejo analítico do caso concreto, a vulnerabilidade é um fenômeno de ordem material com presunção absoluta (jure et de jure). De modo que, a relação de consumo pressupõe a vulnerabilidade do consumidor, mas não necessariamente a sua hipossuficiência.
A intenção hoje, observada a natureza principiológica da vulnerabilidade, no que diz respeito às relações de consumo, é falar sobre a categoria jurídico dos denominados “consumidores hipervulneráveis”.
No primeiro caso, dos consumidores vulneráveis, estamos diante de apenas 1 situação de vulnerabilidade, ocasionada pela própria condição de “ser consumidor”. Pressupõe, portanto, na relação jurídica de consumo, que há uma relação de desequilíbrio no binômio consumidor-fornecedor, de modo que o primeiro, em regra, não dispõe do conhecimento técnico, científico, jurídico ou econômico necessários à manutenção de um equilíbrio da relação, haja vista o segundo possuir tais informações.
A situação jurídica do “hipervulnerável”, como bem apontado pelo Professor Tiago Fensterseifer, na qual “determinados indivíduos ou grupos sociais, por sua peculiar condição existencial, apresentam não apenas um fator de vulnerabilidade (por exemplo, ser criança, pobre ou idoso), mas sim um somatório de dois ou mais fatores agravadores da sua vulnerabilidade (ex. criança pobre com grave problema de saúde ou pessoa idosa com deficiência), ensejando um regime jurídico ainda mais reforçado na sua proteção.
No bojo do entendimento jurisprudencial, é salutar o voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin, do STJ, no REsp n. 931.513/RS, ao conceituar sujeitos hipervulneráveis. No caso, trata-se de discussão acerca da legitimidade ativa do parquet para propor ação civil pública em prol de direito individual de pessoa com deficiência para obter prótese auditiva. Na lição do referido Ministro:
[…] a categoria ético-política, e também jurídica, dos sujeitos vulneráveis inclui um subgrupo de sujeitos hipervulneráveis, entre os quais e destacam, por razões óbvias as pessoas com deficiência física, sensorial ou mental
E continua:
[…] ao se proteger o hipervulnerável, a rigor quem verdadeiramente acaba beneficiada é a própria sociedade, porquanto espera o respeito ao pacto coletivo de inclusão social imperativa, que lhe é caro, não por faceta patrimonial, mas precisamente por abraçar a dimensão intangível e humanista dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
No que tange aos direitos básicos do consumidor e às práticas abusivas previstas no CDC, podemos observar uma preocupação mais qualificada do códex em proteger os direitos dos consumidores hipervulneráveis.
6º, parágrafo único – Direito básico à informação deve ser acessível à pessoa com deficiência
39, IV – Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Por fim, como bem salientado no Recurso Especial mencionado, de relatoria do Min. Herman Benjamin, estamos diante de uma proteção qualificada, no que tange aos consumidores hipervulneráveis, que transcende a dimensão individual, atingindo uma dimensão coletiva de proteção e efetivação de direitos, remetendo-nos ao princípio da dignidade humana e ao princípio da solidariedade.
Por Jonas Boamorte, 05 de maio de 2023.