STJ decide que Plano de Saúde deve custear medicamento não registrado na ANVISA para tratamento de doenças raras e ultrarraras

No julgamento do REsp 1.885.384/RJ realizado no dia 18 de maio de 2021, os ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiram que a Sul América deve fornecer medicamento sem registro na ANVISA prescrito a uma paciente portadora de doença ultrarrara.

A ação foi movida pela beneficiária com objetivo de que o plano de saúde custeasse integralmente seu tratamento contra a Síndrome de Schnitzler através do fármaco Kineret – Anakinra, medicamento importado e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), motivo pelo qual a empresa negou a solicitação administrativa feita pela paciente.

Em sede liminar, o juízo deferiu o pedido da parte autora para determinar que a empresa autorizasse o tratamento nos termos da prescrição médica, devendo se abster de qualquer ato que pudesse interromper a efetiva prestação do serviço.

Em sua peça de defesa, a operadora de saúde alegou a origem importada do medicamento e a ausência de registro em território nacional, razão pela qual qualquer ato que implicasse em comercialização e/ou custeio configuraria crime previsto no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, além de contrariar dispositivos da lei 9.656/98 que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

O juízo de primeiro grau confirmou a obrigação de fazer determinada liminarmente e condenou a empresa ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos morais. Na apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não acatou as razões do plano de saúde e confirmou os efeitos da sentença.

Ao STJ, a pessoa jurídica protocolou Recurso Especial alegando ofensa ao art. 757 do CC – entre outros dispositivos – e a impossibilidade de a condenação ser mantida em face da inexistência de cobertura sanitária para o medicamento, o que a princípio foi acatado em decisão monocrática proferida pelo ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino, fundamentando-se basicamente na tese firmada no Tema Repetitivo 990[1] da Corte, in verbis:

TEMA 990/STJ |As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa”.

A beneficiária apresentou recurso de agravo interno alegando a natureza ultrarrara da sua doença, bem como a possibilidade de que seja dispensado o registro do medicamento perante a ANVISA, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 657.718/MG — caso em que restou firmada a Tese 500[2] transcrita abaixo:

 

TEMA 500/STF | “O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.”

 

Seguindo a linha do TEMA 500/STF, o ministro relator reafirmou a jurisprudência da Suprema Corte ao decidir sobre o dever do Estado em fornecer medicamento mesmo que ainda não registrado pela Agência Reguladora, autorizando-se de forma excepcional a importação de fármacos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos.

Nesse sentindo, ao entender pela existência de substancial diferença material (distinguishing) entre o caso em julgamento e os paradigmas, suficiente para amparar a conclusão de que não seria coerente e isonômico aplicar a ratio decidendi dos precedentes que deram ensejo ao Tema 990/STJ, o ministro confirmou a condenação em dano moral e reconheceu a legalidade da medida que determinou que a empresa custeie com o medicamento mesmo com a ausência de registro na ANVISA, principalmente em face da raridade da doença.  A decisão foi seguida unanimemente pela 3ª Turma.

 

[1] Link disponível em: Linkshttps://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&sg_classe=REsp&num_processo_classe=1726563. Acesso em 26/05/2021.

[2]Link disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4143144&numeroProcesso=657718&classeProcesso=RE&numeroTema=500# . Acesso em 26/05/2021.

 

É admissível a exclusão de prenome da criança na hipótese em que o pai informou, perante o cartório de registro civil, nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos genitores.

Em 06/05/2021, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 1.905.514/SP, cujo o propósito consistia em definir se é admissível a exclusão de
prenome da criança na hipótese em que o pai informou, perante o
cartório de registro civil, nome diferente daquele que havia sido
consensualmente escolhido pelos genitores.

O direito ao nome, assim compreendido como o prenome e o patronímico, é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si mesmo, mas também no ambiente familiar e perante a sociedade em que vive.

Nessa toada, a escolha do nome da criança, perfectibilizada em ato solene perante o registro civil é a concretização de muitos atos anteriormente praticados, que não se limitam apenas ao campo do imaginário e à esfera privativa dos pais, mas, ao revés, que são verdadeiramente palpáveis, como a confecção de enxovais, lembranças e decorações e o recebimento de presentes. Dessa forma, dar nome à prole é típico ato de exercício do poder familiar e, talvez, seja um dos que melhor represente a ascendência dos pais em relação aos filhos, na medida em que o nomeado, recém-nascido, pouco ou nada pode fazer para obstá-lo.Segundo a Rel.

Ministra Nancy Andrighi, trata-se de ato que pressupõe bilateralidade, salvo na falta ou impedimento de um dos pais (art. 1.631, caput, do CC/2002), e consensualidade, ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual desacordo existente entre eles (art. 1.631, parágrafo único, do CC/2002). Não é ato, pois, que admita a autotutela.No caso analisado no REsp 1.905.514/SP, havia um consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser dado à filha, fruto de um namoro que se rompeu logo após o seu nascimento. Esse acordo foi unilateralmente rompido pelo pai, a única pessoa legitimada a promover o registro civil da criança diante da situação de parturiência da mãe, ao modificar o nome que havia sido anteriormente escolhido, acrescendo prenome que não havia sido objeto de acordo entre os genitores, violando, assim, o dever de lealdade familiar e o dever de boa-fé objetiva.

Por fim, segundo o Tribunal, é irrelevante apurar se o acréscimo unilateralmente promovido pelo genitor por ocasião do registro civil da criança ocorreu por má-fé, com intuito de vingança ou com o propósito de, pela prole, atingir à genitora, circunstâncias que, se porventura verificadas, apenas servirão para qualificar negativamente a referida conduta. No caso apreciado, o prenome acrescido pelo genitor da criança coincidia com o nome do anticoncepcional, que seria regularmente utilizado pela mãe e não teria sido eficaz a ponto de evitar a concepção.

STJ julga o tema 1010 – delimitação da extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d’águas naturais em áreas urbanas

Em 28.04.2021, o STJ, ao julgar o tema 1010 de recursos repetitivos, resolveu grande controvérsia sobre a questão do afastamento das margens de cursos d’águas que as edificações devem obedecer. Ficou definida a aplicação do Código Florestal (Lei 12.651/2012). Não houve modulação dos efeitos.

O debate é antigo e envolvia a dúvida sobre aplicação, nestes casos, dos limites estabelecidos na Lei 12.651/2012 (Código Florestal) ou a delimitação apresentada pela Lei específica 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo Urbano). Enquanto o Código Florestal define em não edificáveis as faixas compreendidas de 30 a 500 metros do curso d’água, a LPSU define um limite menor, de 15 metros.

Várias edificações, regulares até 28.04.2021, se encontravam amparadas por documentações e licenças ambientais obtidas com julgamentos que consideraram o limite contido na Lei de Parcelamento de Solo Urbano como válidos. Para se evitar que diversas edificações, subitamente, fossem consideradas irregulares e, portanto, sujeitas a ações civis públicas, diversos representantes do setor imobiliário e da construção civil esperavam a modulação dos efeitos do julgamento, de modo que as edificações que se encontrassem com lastro na LPSU não fossem consideradas irregulares, porque dotadas de licenças ambientais e processos administrativos válidos. A modulação não aconteceu.

Sim, agora todas as edificações que não se encontrem edificadas na faixa determinada pelo art. 4º, I, da Lei n. 12.651/2012 (novo Código Florestal), qual seja, de 30 a 500 metros dos cursos d’águas, estão irregulares, sujeitas a Ação Civil Pública e, até mesmo, demolição.

A tese do STJ, para fazer prevalecer a Lei geral, é que o mencionado artigo do novo Código Florestal pretende “garantir mais ampla proteção ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade”.

O julgamento do STJ agora inclina todos os juízes à decidirem, em casos análogos, pela incidência do Código Florestal para delimitação da faixa de terra não edificável.

Imperioso destacar que essa decisão surge pouco tempo depois de o STF, em tema 999 de repercussão geral, considerar como imprescritível o dano ambiental, o que agrava a situação das edificações agora irregulares, tendo em vista que não estão protegidas sequer pelo decurso do tempo, entendido como crucial à segurança jurídica. A menos que o entendimento seja alterado, o que é perfeitamente possível, a ameaça da demolição sempre estará rodeando essas edificações, mesmo que passados anos ou décadas.

NOVO CRIME DE PERSEGUIÇÃO – STALKING (ARTIGO 147-A, CP)

No dia 31 de março de 2021, entrou em vigor a Lei 14.132/21, incluindo o artigo 147-A ao Código Penal Brasileiro, tipificando a conduta de perseguição (stalking) como crime. Nesse sentido, o stalking é: “um padrão de comportamentos de assédio persistente, que representa formas diversas de comunicação, contato, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo por parte de outra”. (Marlene Matos et al, 2011, p. 20). Portanto, o caput do artigo define esta conduta como perseguição reiterada, ou seja, habitual.

Tendo em vista a pena aplicada ao crime de perseguição, a modalidade simples do tipo continua sendo um delito de menor potencial ofensivo, em face da reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa que atrai a competência do Juizado Especial Criminal, na Lei 9.099/95.

Já no parágrafo 1°, do artigo 147-A, CP, aumenta-se as penas a metade quando o delito é praticado contra criança, adolescente ou idoso, contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código, existindo a violência doméstica e familiar, como descrito no artigo de feminicídio ou mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

No entanto, em seu parágrafo 2°, determina que se o crime for praticado com violência, o agente responderá pelo crime de perseguição em concurso com o crime violento, somando-se as penas. O crime é de ação penal pública condicionada à representação, no entanto em casos de violência doméstica contra a mulher, se aplica a Lei 11.340/2006.

Em resumo, após entrar em vigor a nova lei no Diário Oficial da União, o artigo 65 do Decreto-Lei 3.688/41 foi revogado:

Artigo 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Dessa forma, considerando uma maior abrangência das condutas pelo artigo 65 do Decreto-Lei 3.688/41, há duas possíveis consequências, em razão da aplicação da norma penal no tempo, se o agente se enquadrar na nova tipificação penal pela prática de condutas reiteradas e ameaçadoras contra a vítima, os efeitos da prática da contravenção penal permanecem. Já se o agente não se enquadrar na nova norma criminalizadora, em face de ter praticado a conduta uma única vez, resulta na extinção da punibilidade do agente, da execução e efeitos penais condenatórios.

Após a data da abertura da sucessão, não se comunica à companheira sobrevivente os valores recebidos dos aluguéis de imóvel particular do falecido

O artigo 1.660 do Código Civil expressamente aponta as hipóteses dos bens que irão comunicar, isto é, aqueles que entram na comunhão. Entre eles estão os “frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”.

Sobre o assunto, a Terceira Turma do STJ analisou situação em que o “de cujus” possuía determinado imóvel como bem particular, de sua exclusiva propriedade, o qual estava alugado e não comunicava os frutos com a esposa, ora sobrevivente.

A Corte Superior, ao julgar o Resp 1.795.215, fixou entendimento de que a análise do direito de a supérstite perceber tais frutos, na partilha/meação, está adstrita ao momento da convivência matrimonial, sendo incomunicáveis, por exceção expressa, os frutos percebidos em momentos anteriores e posteriores a comunhão.

A Terceira Turma ainda clarifica a questão quando deixa claro que o cônjuge sobrevivente tem cessado seu direito a mear no momento do falecimento de seu companheiro, passando, neste caso, os aluguéis a pertencerem ao monte mor (espólio), devendo ser objeto de discussão de seus herdeiros legais no inventário, respeitada a ordem de vocação hereditária.

Desse modo, foi fixada a seguinte tese pela Terceira Turma do STJ: “O montante recebido a título de aluguéis de imóvel particular do ‘de cujus’ não se comunica à companheira supérstite após a data da abertura da sucessão”.

Imperioso destacar que nada impedirá a supérstite de perceber os frutos auferidos após o falecimento de seu companheiro, mas desta vez a partir do inventário, concorrendo à herança com os sucessores legítimos, observada a Ordem de Vocação Hereditária prevista no Código Civil Brasileiro.

STJ fixa teses sobre permanência de ex-empregado aposentado em plano de saúde coletivo

Conforme tema apontado, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 1.818.487, 1.816.482 e 1.829.862, todos de relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

Tal entendimento, cadastrado como Tema 1.034 na base de dados do STJ, está ementado da seguinte forma: “Definir quais condições assistenciais e de custeio do plano de saúde devem ser mantidas a beneficiários inativos, nos termos do artigo 31 da Lei 9.656/1998”.

Prevaleceram três teses: a contagem do prazo de dez anos de permanência no período de ativa; a criação de um plano único, com paridade entre ativos e inativos; e a possibilidade de eventuais mudanças nos planos de saúde dos empregados ativos serem estendidas aos aposentados.

Cumpre ressaltar que o colegiado determinou a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão, em todo o território nacional, mantida, no entanto, a possibilidade de concessão de medidas urgentes pelas instâncias ordinárias.

Diante do exposto, pode-se observar que tal entendimento do STJ favorece o empregado ativo em relação à ausência de prejuízo na contagem do prazo de dez anos de permanência no plano de saúde, em caso de mudança da operadora ou dos demais parâmetros durante a ativa, e beneficia o aposentado diante da determinação da paridade total do custeio e das condições de cobertura assistencial entre ativos e inativos.

STJ julgou o REsp 1.919.208/MA, cujo propósito consistia em dizer se é devida indenização por lucros cessantes

Em 20/04/2021, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 1.919.208/MA, cujo propósito consistia em dizer se é devida indenização por lucros cessantes pelo período em que o imóvel objeto de contrato de locação permaneceu indisponível para uso, após sua devolução pelo locatário em condições precárias.

Conforme previsão expressa do art. 569 do Código Civil e do art. 23 da Lei n° 8.245/91 (lei de locações), incumbe ao locatário usar e gozar do bem locado de forma regular, tratando-o com o mesmo cuidado como se fosse seu e, findado o contrato de locação, restituí-lo ao locador no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações decorrentes do seu uso normal. Lado outro, inquestionável é a responsabilidade do locatário que causar danos ao imóvel em virtude de má utilização, sendo direito do locador, além da rescisão contratual, a indenização por perdas e danos.

No caso analisado, objeto do REsp 1.919.208/MA, a parte autora locou um imóvel ao Estado do Maranhão para que lá funcionasse uma escola pública. Ao final da locação, a edificação lhe foi devolvida em péssimas condições, pois havia sido totalmente dilapidada por ações de vândalos. Buscando resolver o problema, procurou o Estado, que concordou em reparar os danos, desde que fosse feito mediante contratação de empresa adequada por licitação. Face à possibilidade da demora em ver reparado o imóvel, ajuizou pedido de indenização pelos danos causados, acrescido de lucros cessantes.

Ao apreciar a questão, o STJ confirmou o dever de indenizar do locatário pelos danos anormais causados ao imóvel durante a vigência do contrato, bem como entendeu ser cabível a indenização por lucros cessantes em relação ao período em que o imóvel objeto de contrato de locação permaneceu indisponível para uso, após sua devolução pelo locatário em condições precárias. Para mais, o Tribunal da Cidadania consignou que mesmo não havendo prova de que o imóvel seria imediatamente locado após à sua devolução, há dever de indenizar por lucros cessantes, uma vez que, a simples disponibilidade do bem para uso e gozo próprio, ou para qualquer outra destinação que pretendesse o locador, tem expressão econômica e integra a sua esfera patrimonial, que restou reduzida pelo ilícito contratual, pouco importando se o uso seria para fins comerciais ou pessoais.