O CRIME DE EXTORSÃO

O crime de extorsão pode ser cometido através de “ameaça espiritual”, decidiu o STJ

 

Conheça o caso:

Em São Paulo, a vítima contratou serviços da acusada, Priscila Estephanovichil, para que esta realizasse trabalhos espirituais de cura, aqueles popularmente chamados de macumba. Então, a ré teria induzido a vítima a erro e obtido vantagens financeiras de mais de 15 mil reais, tudo através de atos de curandeirismo.

Contudo, a partir do momento em que a vítima passou a se recusar a dar-lhe mais dinheiro, a ré começou a proferir ameaças, e, conforme a denúncia, teria pedido R$ 32 mil para desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra os filhos da vítima.

A ré foi condenada e após os recursos interpostos na instância ordinária (o TJSP), o processo foi submetido ao STJ, através do Recurso Especial 1299021 (REsp 1299021), tendo como principais alegações a ausência de eficácia da ameaça espiritual enquanto meio para o cometimento da extorsão (ineficácia absoluta do meio) e a desclassificação do crime de extorsão para o crime de curandeirismo. Pretendendo uma pena mais branda (a do crime de curandeirismo – de 6 meses a 2 anos), Priscila alegou que “agiu com o intuito de, com fórmulas e rituais, resolver os problemas de saúde suportados pela vítima, praticando, em verdade, o crime de curandeirismo”, não o de extorsão, cuja pena é de 4 a 10 anos de reclusão, e multa.

A decisão do STJ:

Em 14/02/2017, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça conheceu em parte o Recurso Especial interposto por Priscila Estephanovichil, mas no mérito negou-lhe provimento, sob os seguintes fundamentos: 1) a alegação de ineficácia absoluta da grave ameaça de mal espiritual não poderia ser acolhida, uma vez que a vítima, em razão de sua livre crença religiosa, acreditou que a recorrente poderia concretizar as intimidações de “acabar com sua vida”, com seu carro e de provocar graves danos aos seus filhos e, por isso, estando coagida, realizou o pagamento de indevida vantagem econômica, aquela exigida por Priscila. 2) o Tribunal de origem concluiu que a recorrente Priscila, desde o início, valeu-se da liberdade de crença da vítima e de sua fragilidade para obter vantagem patrimonial indevida, não sendo caso de curandeirismo, mas de extorsão, de modo que, por força da súmula 7, o STJ entendeu inviável reverter o entendimento da Corte Estadual de Justiça.

A decisão como um marco para a limitação ao abuso da liberdade de culto:

Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. VI, assegurou que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Porém, tem sido recorrentes os casos de lideranças religiosas – sejam elas católicas, protestantes ou candomblecistas – que se valem da fé e da inocência dos fiéis para obterem vantagens econômicas, explorando-os financeiramente através de apelos de doações “em troca de bênçãos”.

Embora o caso julgado pelo STJ tenha se referido especificamente ao uso de ameaças de cunho espiritual, no sentido de constranger a vítima para que ela fornecesse vantagem econômica indevida (crime de extorsão), entendemos que esse é um marco jurisprudencial mais amplo, por sinalizar que é possível a intervenção do Estado-juiz naqueles casos em que, a pretexto de liberdade de crença, as lideranças religiosas abusem desse direito para causar prejuízos a pessoas que estejam vulneráveis em razão da livre crença religiosa, expondo-se a constrangimentos voltados à exploração financeira para se obter vantagens indevidas.

 

Fonte:

https://www.stj.jus.br/