LIMBO PREVIDENCIÁRIO

No âmbito dos benefícios por incapacidade, não raras vezes o segurado da Previdência Social é colocado em uma situação de indeterminação designada pela expressão “limbo previdenciário”, caracterizado pela ausência do benefício, bem como pela ausência de salário.

Isso ocorre quando da combinação de dois eventos: 1º) indeferimento ou cessação do benefício previdenciário por incapacidade laboral pelo INSS, sob a justificativa de ausência de incapacidade; e 2º) inaptidão do trabalhador para retornar às suas atividades habituais verificada pelo médico do trabalho e formalizada através do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO).

Como se percebe, nesses casos há um conflito entre o que entende a Autarquia Previdenciária e o que entende o médico do trabalho que atende a empresa. O fato é que essa situação importará no estabelecimento de um estado de flagrante vulnerabilidade, já que sem benefício e sem salário o trabalhador não poderá fazer frente às suas despesas básicas.

O que fazer? Certamente o segurado não conseguirá resolver esse imbróglio por conta própria, uma vez que será necessário ingressar em juízo, normalmente em dois frontes: na Justiça Federal, contra o INSS, objetivando o restabelecimento ou concessão do benefício por incapacidade; e na Justiça do Trabalho, contra o empregador, objetivando o pagamento dos salários devidos durante esse período do limbo, bem como indenização pelo dano moral eventualmente experimentado.

Ademais, vale frisar que o pedido de tutela de urgência é imprescindível nesses casos, devendo ser apresentado no processo o ASO, um vez que nele a própria empresa reconhece que o trabalhador não apresenta condições de retornar às suas atividades habituais.

De efeito, é entendimento pacificado nos Tribunais Pátrios que o fenômeno do “limbo previdenciário” não implica na suspensão nem na interrupção do contrato de trabalho, de modo que este continua a produzir seus efeitos normalmente, o que justifica, portanto, o pleito pelos salários em face do empregador.

Neste sentido, confira-se o julgado abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.467/2017. LIMBO PREVIDENCIÁRIO E TRABALHISTA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELO PAGAMENTO DE SALÁRIOS. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS (AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL; ART. 896, § 9.º, DA CLT). 1.A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a recusa do empregador em aceitar o retorno do empregado após a alta previdenciária, em razão de considerá-lo inapto ao trabalho, não afasta o dever de pagamento dos salários correspondentes, pois, diante da presunção de veracidade do ato administrativo do INSS que atesta a aptidão do empregado para o labor, cessando o benefício previdenciário, cabe ao empregador receber o obreiro, realocando-o em atividades compatíveis com sua limitação funcional, até eventual revisão da decisão tomada pelo órgão previdenciário. Com efeito, nos termos do art. 476 da CLT, encerrado o afastamento, não subsiste o fato gerador da suspensão do contrato de trabalho, retomando-se as obrigações contratuais, inclusive o pagamento salarial. 2. Os embargos de declaração opostos contra o acórdão regional possuem caráter protelatório, motivo pela qual não se vislumbra violação constitucional pela aplicação da multa do art. 1.026, § 2.º, do CPC. Agravo de instrumento não provido . (TST – AIRR: 7465820195080128, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 08/12/2021, 8ª Turma, Data de Publicação: 10/12/2021)

Posto isso, conclui-se que o trabalhador, segurado da Previdência Social, não deve ficar desguarnecido quando da ocorrência do “limbo previdenciário”, havendo pretensões que podem e devem ser manejadas contra o INSS e também em face do empregador, revelando, dessa forma, a imprescindível atuação do advogado como instrumento para a realização da justiça social.

Ramon Pantoja, Advogado com atuação em Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Previdenciário. Atuação judicial e extrajudicial em processos previdenciários.

Princípios Constitucionais Tributários. Legalidade e Anterioridade

A tributação, antes de observada sob as lentes do direito, especialmente no que tange às lentes oferecidas pelo chamado Estado de Direito, deve ser percebida a partir de suas condicionantes históricas e econômicas. Tal fenômeno, na antiguidade, era percebido a partir de uma relação de força, sendo instrumento utilizado por determinar civilizações para subjugar outras vencidas em conflitos territoriais, por exemplo.

Com o advento do que se convencionou chamar “Estado de Direito”, a tributação deixa de ser percebida como uma relação de força/arbítrio/confisco, sendo adornada por limitações previstas no direito positivo, especialmente no texto constitucional. Em especial, no direito tributário, tais limitações se inserem em um contexto de contenção da arbitrariedade do Estado ao poder de tributar.

A matriz tributária brasileira, essencialmente constitucionalizada, prevê uma série de limitações ao poder de tributar. Não apenas limitações ao exercício de tal poder, mas limitações “constitucionais” ao exercício do poder de tributar. Quer-se dizer, em maior medida, que o texto constitucional brasileiro prevê não apenas regras de competência, atribuindo poderes aos entes federados, mas também em regras de limitação (também chamadas de regras de incompetência).

Fato é que, a Constituição Federal, promulgada em 1988, prevê um catálogo de limitações do poder de tributar (Seção II, Cap I do Título “Tributação e Orçamento) subdividas, regra geral, em: princípios e imunidades.

De modo geral, no vídeo publicado em nossas redes, abordamos o conteúdo dos princípios esculpidos no art. 150, I e 150, III, b e c da Constituição Federal, quais sejam: o princípio da legalidade e o princípio da anterioridade, este último subdivido em anterioridade do exercício financeiro (que diverge, em termos de conteúdo, do chamado princípio da anualidade) e anterioridade nonagesimal.

Dispõe, portanto, a CF de 1988, em seu art. 150, I:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

III – cobrar tributos:

  1. b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
  2. c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os institui ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

Evidente que, como qualquer outro, tais princípios não são absolutos, podendo sofrer mitigações. No que diz respeito ao princípio da legalidade, a própria Constituição apresenta exceções à exigência de lei para alteração da base de cálculo de determinados tributos. Por sua vez, a anterioridade também pode sofrer mitigação, em virtude, por exemplo, da natureza excepcional do tributo, haja as circunstâncias extraordinárias que demandam a instituição de tributos como os empréstimos compulsórios e os empréstimos extraordinários.

Por Jonas Boamorte, 28 de abril de 2023.

STJ e a penhora de salários: entre a inefetividade e a insegurança jurídica

No julgamento do EREsp n° 1.874.222/DF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível haver a penhora de salário, ainda que este não exceda a 50 salários mínimos, garantindo-se, todavia, o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família. Em outros termos, decidiu-se que é possível penhorar parte do salário em razão de dívida de qualquer natureza, devendo o juiz assegurar um montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família.
A importância dessa decisão reside no fato de que, nos termos do art. 833, IV, do Código de Processo Civil de 2015, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família são impenhoráveis até o limite de 50 (cinquenta) salários mínimos, exceto na hipótese da dívida ser fruto do não pagamento de prestação alimentícia (art. 833, §2°, do CPC).

Portanto, até a referida decisão, a regra consistia na impenhorabilidade dos salários até o limite de 50 salários mínimos, isto é, o salário de até 50 salários mínimos não poderia ser penhorado para pagamento de qualquer dívida, exceto aquelas fruto do não pagamento de alimentos.
Para relativizar ainda mais a regra, o relator Min. João Otávio de Noronha trouxe os seguintes argumentos: (i) O novo Código de Processo Civil suprimiu a expressão “absolutamente” contido no art. 649 do CPC/73 (dispositivo que corresponde ao art. 833 no CPC/2015), de modo que deixou de constar na lei “são absolutamente impenhoráveis” e passou a constar “são impenhoráveis”, de modo que entendeu ter ocorrido uma “relativização” da impenhorabilidade; (ii) o limite de 50 salários mínimos se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo ineficiente aos interesses dos credores, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família. Não obstante a preocupação do tribunal com a suposta “inefetividade” das execuções, cabe tecer algumas observações sobre a fundamentação empregada pelo STJ.

Primeiramente, não se verifica qualquer diferença semântica entre as frases “são absolutamente impenhoráveis” e “são impenhoráveis” que nos leve a concluir que, a primeira corresponde a uma regra inflexível (absoluta), e a segunda, uma regra flexível (relativa). O fato de o legislador não ter inserido no art. 833 do novo CPC o termo “absolutamente” não induz racionalmente à conclusão de que a impenhorabilidade das verbas expressamente previstas no dispositivo é relativa. É só pensarmos esse argumento em um outro contexto, por exemplo: Há diferença semântica entre as frases “eu tenho certeza” e “eu tenho absoluta certeza”? Superado o argumento anterior, verifica-se que o tribunal traz um argumento considerável, digno de debate, qual seja, a ineficiência de algumas execuções por conta da vultosa quantia protegida pelo manto da impenhorabilidade (50 salários mínimos). De fato, para a realidade das execuções e das condições financeiras de boa parte dos devedores no Brasil, trata-se de uma proteção extremamente generosa, que por vezes torna a execução infrutífera.

Contudo, entendo que andou mal o STJ ao permitir que os juízes, em cada caso, verifiquem o quanto do salário do devedor pode ser penhorado e o quanto é essencial a sua subsistência e de sua família. É dizer, o problema de uma lei não pode ser resolvido com o “bom senso” dos juízes. Ainda que bem intencionado, o STJ não poderia “legislar” sobre o tema, sob pena de situações idênticas serem tratadas de forma distinta ou situações distintas sejam tratadas da mesma forma, quebrando a isonomia e a segurança jurídica.
Se por um lado a decisão representa um passo firme em busca pela efetividade das execuções, por outro, é inegável que a relativização da regra (ainda que problemática) constitui uma abertura para que a insegurança jurídica se prolifere ainda mais no país.

Luís Felipe, advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC. Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUCRS.