STJ e a penhora de salários: entre a inefetividade e a insegurança jurídica

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No julgamento do EREsp n° 1.874.222/DF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que na hipótese de execução de dívida de natureza não alimentar, é possível haver a penhora de salário, ainda que este não exceda a 50 salários mínimos, garantindo-se, todavia, o mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família. Em outros termos, decidiu-se que é possível penhorar parte do salário em razão de dívida de qualquer natureza, devendo o juiz assegurar um montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família.
A importância dessa decisão reside no fato de que, nos termos do art. 833, IV, do Código de Processo Civil de 2015, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família são impenhoráveis até o limite de 50 (cinquenta) salários mínimos, exceto na hipótese da dívida ser fruto do não pagamento de prestação alimentícia (art. 833, §2°, do CPC).

Portanto, até a referida decisão, a regra consistia na impenhorabilidade dos salários até o limite de 50 salários mínimos, isto é, o salário de até 50 salários mínimos não poderia ser penhorado para pagamento de qualquer dívida, exceto aquelas fruto do não pagamento de alimentos.
Para relativizar ainda mais a regra, o relator Min. João Otávio de Noronha trouxe os seguintes argumentos: (i) O novo Código de Processo Civil suprimiu a expressão “absolutamente” contido no art. 649 do CPC/73 (dispositivo que corresponde ao art. 833 no CPC/2015), de modo que deixou de constar na lei “são absolutamente impenhoráveis” e passou a constar “são impenhoráveis”, de modo que entendeu ter ocorrido uma “relativização” da impenhorabilidade; (ii) o limite de 50 salários mínimos se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo ineficiente aos interesses dos credores, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família. Não obstante a preocupação do tribunal com a suposta “inefetividade” das execuções, cabe tecer algumas observações sobre a fundamentação empregada pelo STJ.

Primeiramente, não se verifica qualquer diferença semântica entre as frases “são absolutamente impenhoráveis” e “são impenhoráveis” que nos leve a concluir que, a primeira corresponde a uma regra inflexível (absoluta), e a segunda, uma regra flexível (relativa). O fato de o legislador não ter inserido no art. 833 do novo CPC o termo “absolutamente” não induz racionalmente à conclusão de que a impenhorabilidade das verbas expressamente previstas no dispositivo é relativa. É só pensarmos esse argumento em um outro contexto, por exemplo: Há diferença semântica entre as frases “eu tenho certeza” e “eu tenho absoluta certeza”? Superado o argumento anterior, verifica-se que o tribunal traz um argumento considerável, digno de debate, qual seja, a ineficiência de algumas execuções por conta da vultosa quantia protegida pelo manto da impenhorabilidade (50 salários mínimos). De fato, para a realidade das execuções e das condições financeiras de boa parte dos devedores no Brasil, trata-se de uma proteção extremamente generosa, que por vezes torna a execução infrutífera.

Contudo, entendo que andou mal o STJ ao permitir que os juízes, em cada caso, verifiquem o quanto do salário do devedor pode ser penhorado e o quanto é essencial a sua subsistência e de sua família. É dizer, o problema de uma lei não pode ser resolvido com o “bom senso” dos juízes. Ainda que bem intencionado, o STJ não poderia “legislar” sobre o tema, sob pena de situações idênticas serem tratadas de forma distinta ou situações distintas sejam tratadas da mesma forma, quebrando a isonomia e a segurança jurídica.
Se por um lado a decisão representa um passo firme em busca pela efetividade das execuções, por outro, é inegável que a relativização da regra (ainda que problemática) constitui uma abertura para que a insegurança jurídica se prolifere ainda mais no país.

Luís Felipe, advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC. Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUCRS.

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