O não pagamento de tributo é crime mesmo quando a empresa não tem dinheiro?

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Suponhamos a seguinte situação: Empresa em grave crise financeira, com diversas faturas de fornecedores sem quitação, em risco de desabastecimento do estoque, verbas trabalhistas em atraso, mandados de busca e apreensão de veículos, mandados de penhora sendo cumpridos para pagamento de títulos de créditos, citações de execuções fiscais de todos os entes sendo cumpridas.

Com isso, com dinheiro em caixa limitado, o Administrador opta em adimplir os salários do mês em detrimento de todo o resto, inclusive do ICMS cobrado na nota fiscal de venda ao consumidor.

Ao final do mês, concluída a contabilidade, todas as operações são transmitidas ao fisco estadual, no entanto, não há o pagamento do ICMS que fora cobrado do consumidor final na nota fiscal da venda do produto.

Diante disso, haveria ocorrência de crime tributário, mesmo quando a empresa enfrenta grave crise financeira?

O conceito analítico de crime compreende a tipicidade, ilicitude e a culpabilidade – enquanto a tipicidade se traduz em conceito positivo, que deve ser preenchida para que haja crime, a ilicitude e a culpabilidade podem ser chamados de negativos, dado que suas categorias não podem ocorrer na prática, pois excluem o crime.

Em outras palavras, a tipicidade compreende a conduta, o nexo causal, o resultado e a tipicidade. Ausente qualquer deles, não haverá tipicidade. Já a ilicitude e a culpabilidade são obtidas a partir da não configuração no caso concreto de suas excludentes. Ou seja, e.g., não praticar o fato sob legítima defesa (excludente da ilicitude) ou ser imputável no momento da conduta (excludente de culpabilidade).

No que atine ao caso hipotético apresentado, sempre se questionou sobre a aplicação da Exigibilidade de Conduta Diversa, que compreende a possibilidade de o agente criminoso, diante do caso concreto, ter à disposição a opção de se comportar de forma lícita ou ilícita, quando diante de hipótese de grave crise financeira na empresa.

Ora, considerando a gravidade da situação e a indisponibilidade de caixa para pagar as despesas mensais, perfeitamente factível que o Administrado opte por pagar fornecedores e funcionários em detrimento do fisco, sob pena de colocar em risco a própria atividade econômica.

Assim é que, a 5ª Turma do STJ decidiu que a excludente de culpabilidade da Inexigibilidade de Conduta Diversa é aplicável ao crime do art. 2º, II da Lei nº 8.137/1990 quando a empresa enfrenta grave crise financeira, dada a impossibilidade fática de adimplir os tributos sem comprometer a própria atividade.

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/1990. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE VALORES RELATIVOS AO ICMS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. CRISE FINANCEIRA. CAUSA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE QUESTÕES FÁTICO-PROBATÓRIAS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

  • A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que é possível a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, nos crimes do art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, se ficar comprovada nos autos a alegada crise financeira da empresa. Precedentes.
  • No presente caso, a Corte de origem, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergem elementos suficientemente idôneos de prova que demonstram a presença de causa excludente da culpabilidade, consistente na inexigibilidade de conduta diversa, em razão da existência de dificuldades financeiras.

Dessa forma, rever tais fundamentos, para concluir pela condenação, uma vez que não restou configurada a inexigibilidade de conduta diversa, como requer a parte recorrente, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ.

  • Agravo regimental não provido.

Apesar da ausência de vedação à aplicação da excludente de culpabilidade aos crimes tributários, fato é que havia grande dificuldade na aceitação pelo Judiciário da tese dada a complexidade em delimitar o que se entende por “crise financeira”.

Diante de um país com sistema tributário tão complexo e com carga tributária tão elevada, admitir que a crise financeira exclui a culpabilidade do crime tributário além de ressaltar o caráter subsidiário do Direito Penal, enfatiza a necessidade de atuação dolosa do Administrador para que configure, de fato, crime tributário.

Pedro Reis, Advogado Especializado em Direito Previdenciário e Penal Econômico

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