Como bem assevera Paulo de Barros Carvalho, em sua obra incrustada com fundamentos da teoria da linguagem, “a teoria jurídica desenvolveu-se no sentido da feição dúplice das regras do direito” (Direito Tributário. Fundamentos Jurídicos da Incidência. 2. Ed. Revista: Saraiva, 1999, p. 31-32). De imediato, temos uma norma primária que prescreve um dever e, logo em seguida, diante da inobservância de tal comandado, temos uma norma secundária, prescrevendo uma sanção. Em geral, dada a não prestação, ou seja, manutenção das expectativas normativas, deverá ser sanção.
Ocorre que, no contexto de um Estado Democrático de Direito, a sanção atribuída àquele que não observa a norma tributária deve guardar relação íntima com os princípios da proporcionalidade e da vedação ao confisco, sob pena da sanção passar a ter efeitos distintos em relação aos quais ela foi formatada.
Nesse sentido, embora haja certa margem de discricionariedade da autoridade administrativa, esta deve se pautar, no exercício da atribuição de sanções tributárias, pelos princípios acima elencados. Esse é o entendimento do Min. Celso de Mello, no bojo da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.075. No caso em questão, discutia-se a constitucionalidade de muta, no caso de não comprovação (ou não emissão) de nota fiscal, da ordem de 300% sobre o valor do bem objeto da operação ou dos serviços prestados. Na oportunidade, o Ministrou asseverou que:
A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
– É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipóteses que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.864/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento).
– A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.
– O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do “quantum” pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.
No mesmo sentido, não se pode atribuir às sanções em matéria tributária um caráter político, dado que as sanções políticas se chocam frontalmente com princípios, como a livre iniciativa e o livre exercício da atividade profissional (SCHOUERI, Luís. Direito Tributário, p. 474). Esta é a posição do Supremo Tribunal Federal nas seguintes Súmulas:
Súmula 70: é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323: é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547: não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Por fim, dado o fato de que a sanção tributária guarda relação imediata com o poder de tributar do Estado, não se vislumbra sanção desmedida, que dependa exclusivamente do juízo exercido pela autoridade administrativa. Na lição do Min. Orosimbo Nonato, “O poder de tributar – que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte – não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (RDA 34/132).
Por Jonas Boamorte