Em uma decisão crucial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu, em 4 de junho de 2025, um recurso extraordinário que contesta a aplicação da taxa Selic para o ajuste de dívidas civis, conforme o artigo 406 do Código Civil de 2002. O caso, envolvendo Zilda Neves da Silva Ferreira e a Expresso Itamarati S/A, questiona se a taxa Selic, utilizada para atualização monetária e juros moratórios, garante adequadamente a reparação integral do dano, especialmente quando a soma acumulada mensalmente resulta em retornos inferiores à inflação ou ao método de juros compostos.
A decisão do STJ, redigida pelo Ministro Luis Felipe Salomão, decorre de uma disputa em que a maioria do tribunal manteve a taxa Selic como o padrão legal para ajustes de dívidas civis, alinhando-se ao seu uso para débitos tributários federais e obrigações de entes públicos. No entanto, a recorrente argumenta que a taxa Selic, calculada por meio da soma de acumulados mensais em vez de juros compostos, pode resultar em retornos reais negativos, especialmente em períodos de taxas baixas, como durante a pandemia, violando assim os princípios constitucionais de justa compensação e direitos de propriedade.
A opinião minoritária, destacada na decisão, enfatizou uma discrepância significativa: entre 2002 e 2021, a soma acumulada mensalmente da taxa Selic (219,54%) ficou atrás tanto do equivalente em juros compostos (787,47%) quanto da inflação medida pelo IPCA (237,63%). Essa lacuna, segundo a recorrente, não preserva o valor real da dívida, comprometendo a garantia constitucional de reparação integral. O STJ reconheceu a relevância dessa questão, observando que decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o uso da Selic em contextos de direito público não abordam completamente sua aplicação a dívidas civis privadas.
A admissão do recurso sinaliza a possibilidade de o STF esclarecer a adequação da taxa Selic para dívidas civis, especialmente se o método de acumulação mensal está alinhado aos padrões constitucionais. A decisão também destaca o contexto econômico estabilizado do Brasil sob o Real, afastando práticas de indexação obsoletas de alta inflação. Intervenções de amicus curiae de entidades como a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros destacam as amplas implicações do caso para os setores financeiro e jurídico.
Essa decisão abre um debate crítico sobre o equilíbrio entre estabilidade econômica e ajuste equitativo de dívidas no direito civil. À medida que o caso avança para o STF, ele pode redefinir como as taxas de juros são aplicadas a obrigações privadas, garantindo que reflitam tanto as realidades inflacionárias quanto os princípios de justa compensação. O resultado pode influenciar inúmeros contratos e disputas civis, moldando o cenário jurídico-econômico do Brasil.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.795.982/SP (2019/0032658-0), Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 30/05/2025, publicado no DJE em 04/06/2025.