Após a sanção da Lei nº 14.112/2020, também chamada de Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência, a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN editou a Portaria nº 2.382/2021 regulamentando os instrumentos de negociação de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS de responsabilidade de contribuintes em processo de recuperação judicial.
A norma vem para suprir uma lacuna que havia no ordenamento jurídico e que há anos se apresentava como um forte obstáculo para o reerguimento das empresas em recuperação judicial, qual seja, o equacionamento das dívidas tributárias.
Em um país com a legislação tributária caótica e complexa como o Brasil, em muitos casos as dívidas fiscais compõem a maior parcela do passivo das empresas em recuperação judicial, de modo que, de nada adiantava equacionar os débitos sujeitos a recuperação judicial e a legislação não fornecer ferramentas para que o recuperando pudesse equacionar suas pendências com o fisco.
Justamente por esta razão que o Código Tributário Nacional prevê, em seu art. 155-A, §3º, que lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. Apesar do dispositivo, até o presente momento não havia uma lei específica ou qualquer outra norma que trouxesse condições especiais de parcelamento para as empresas em recuperação judicial.
Ao tentar suprir a referida lacuna, a Lei nº 14.112/2020, que empreendeu alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), alterou o art. 10-A da Lei nº 10.522/2002, passando a prever o parcelamento em até 120 (cento e vinte) prestações mensais e sucessivas dos débitos para com a Fazenda Nacional, de natureza tributária ou não tributária, para o empresário ou sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial.
Apesar do inegável avanço, grande parte da doutrina empresarial apontava que o mero parcelamento de débitos seria medida insuficiente para contribuir com o reerguimento da empresa em crise, sendo necessário, como ocorre com a maioria dos créditos sujeitos ao plano de recuperação, a concessão de descontos.
Nessa toada, a PGFN editou a Portaria nº 2.382/2021 regulamentando a transação tributária para as empresas em recuperação judicial, dos débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS.
A portaria contribui para a maximização do princípio da preservação da empresa, tendo previsto expressamente como um de seus objetivos viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do sujeito passivo, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A portaria regulamenta o procedimento dos instrumentos de negociação, dentre eles a transação e o negócio jurídico processual, além de prever os requisitos, exigências e deveres do contribuinte.
No que atine especificamente a transação tributária, a Portaria prevê que o empresário ou a sociedade empresária que tiver o processamento da recuperação judicial deferido poderá, até o momento referido no art. 57 da Lei nº 11.101/2005 – ou seja, até a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores – submeter à PGFN proposta de transação relativa a créditos inscritos em dívida ativa da União, observado: I) o limite máximo para reduções será de até 70% (setenta por cento); II) o prazo máximo para quitação será de até 145 meses para empresário individual, ME, EPP, Santas Casas, instituições de ensino, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil; até 132 meses quando constatado que o contribuinte desenvolve projetos sociais, nos termos da regulamentação; e até 120 meses nos demais casos.
Para mensuração do percentual de redução a norma prevê uma série de parâmetros, dentre eles o tempo da cobrança, a suficiência e liquidez das garantias associadas aos débitos, a perspectiva de êxito das estratégias administrativas e judiciais de cobrança, a situação econômica e a capacidade de pagamento do contribuinte em recuperação judicial.
As novas possibilidades de equacionamento do passivo fiscal, a nível federal, disponibilizadas ao contribuinte em recuperação judicial por meio da Portaria nº 2.382/2021, caminham lado a lado com o princípio da preservação da empresa, contribuindo para o reerguimento da empresa em crise, ao tentar garantir o círculo virtuoso da atividade empresarial composto pela manutenção dos empregos gerados, pela produção de riqueza e pela circulação de bens e serviços proporcionada, círculo este que contribui diretamente para o desenvolvimento econômico e social do país.