Hoje abordaremos a alteração promovida pela LC 157/2016, que resultou na modificação do aspecto espacial do ISS nas hipóteses dos serviços previstos no art. 3º, XXIII, XXIV e XXV, e decisão recente do STF sobre o tema. Nesse sentido, observemos que, na dicção da referida lei complementar:
Art. 3º O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local:
XXIII – do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 4.22, 4.23 e 5.09;
XXIV – do domicílio do tomador no caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito ou débito e demais escritos no subitem 15.01;
XXV – do domicílio do tomador do serviço do subitem 15.09.
Notemos que, com a redação dada pela Lei Complementar 157 de 2016, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) passou a ser considerado devido no local do tomador nas hipóteses dos serviços constantes nos subitens 4.22, 4.23, 5.09, 15.01 e 15.09, quais sejam:
4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres.
4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.
5.09 – Planos de atendimento e assistência médico-veterinária.
15.01 – Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.
15.09 Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).
A controvérsia sobre o aspecto espacial ou local de incidência do ISS, no que diz respeito aos subitens acima, surge com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 499, na qual a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS) questionou a regra que alterou o local para recolhimento do tributo. Com a alteração no art. 3º, XXIII, o local para recolhimento do tributo deixou de ser a sede da operadora do plano e passou a ser o município do tomador do serviço.
O principal argumento da entidade, à época, dizia respeito à dificuldade das operadoras de planos de saúde, com a nova regra, de manter relações com todos os fiscos municipais onde se encontrem tomadores de serviços. Tal regra conduziria, segundo a entidade, a uma extrema dificuldade no que tange ao cumprimento das obrigações acessórias e, fundamentalmente, ao próprio pagamento do tributo, haja vista as distinções existentes entre as legislações municipais. Nesse sentido, afirmara que:
A alteração é deveras significativa: os planos de saúde e odontológicos deixarão de recolher o ISS no domicílio da companhia gestora de planos para, então, recolher no local dos tomadores de serviços, espalhadas por todos os mais de 5.570 municípios brasileiros.
Além disso, a entidade sustentou, por meio da ação constitucional proposta, violação aos princípios da capacidade colaborativa do contribuinte, da praticabilidade tributária, da livre iniciativa, da razoabilidade e da proporcionalidade na tributação. No mais, com a exorbitante multiplicação das obrigações acessórias e das práticas necessárias, as operadoras de planos teriam um salto gigantesco nos chamados “custos de conformidade”, ou seja, nos custos necessários para se adequar à legislação tributária.
A entidade sustentara, ademais, “haver desvio da regra matriz do ISS, que impõe a tributação no município em que ocorre o núcleo material do serviço do plano de saúde, que no caso seria a sede de funcionamento da operadora. Alegara também que o dispositivo foi vetado pela Presidência da República em dezembro de 2016, mas o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional em maio de 2017. Para a entidade, tratava-se de matéria relacionada a diretrizes financeiras e tributárias de competência privativa do presidente da República, não cabendo, no seu entender, a derrubada do veto pelo Parlamento.
Além da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da LC 116/2003 e das leis de alguns municípios com previsão semelhante (Manaus, Joinville, Campo Grande, Palmas, Ponta Grossa e Ribeirão Preto), a entidade pediu a concessão de liminar para suspender os processos e decisões judiciais relativos ao tema.
Em sede cautelar, na ADI 5.835, distribuída por dependência à ADPF 499, uma vez observada a semelhança do objeto vergastado, o Ministro Relator Alexandre de Moraes, em 23 de março de 2018, concedeu a medida liminar requerida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF e pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Priva e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNSEG, com o seguinte argumento:
Diferentemente do modelo anterior, que estipulava, para os serviços em análise, a incidência tributária no local do estabelecimento prestador do serviço, a nova sistemática legislativa prevê a incidência do tributo no domicílio do tomador de serviços.
Essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de “tomador de serviços”, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação, ou mesmo inocorrência de correta incidência tributária.
Com base nesta argumentação, o Ministro Relator concedeu, à época, a medida cautelar requerida para suspender a eficácia do art. 1º da LC 157/2016, na parte que modificou o art. 3º, XXIII, XXIV e XXV, e os parágrafos 3º e 4º do art. 6º da LC 116/2003. Ainda, por arrastamento, suspendeu a eficácia de toda legislação local editada para direta complementação da legislação federal.
Com fundamentos semelhantes aos esboçados em sede cautelar, na ADI 5.835, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 02/06/2023, julgou procedentes os pleitos formulados na ADPF 499 e nas ADIs 5835 e 5862, para declarar inconstitucionais os dispositivos de lei complementar federal que deslocaram a competência para a cobrança do ISS do município do prestador do serviço para o do tomador.
No mérito, em posição semelhante à adotada quando da concessão cautelar, o Ministro Relator Alexandre de Moraes, “verificou que a LC 175/2020 não definiu adequadamente a figura do tomador dos serviços nas hipóteses tratadas no caso, o que, a seu ver, mantém o estado de insegurança jurídica apontado na análise da liminar”. A Lei Complementar, portanto, não teria dirimido a controvérsia relativa a quem seria o tomador de serviços nas hipóteses de serviços constantes nos subitens da LC 116/2003.