Em um recente desdobramento jurídico, a juíza Sílvia Figueiredo Marques, da 26ª Vara Cível de São Paulo, determinou que a revogação de um benefício fiscal anteriormente concedido configura um aumento indireto do tributo, sujeitando-se ao princípio da anterioridade tributária. Essa decisão tem origem em um caso envolvendo a desoneração da folha de pagamento para empresas com alto índice de empregabilidade, um benefício destinado a estimular a criação de empregos.
A juíza Sílvia Figueiredo Marques autorizou uma empresa de construção civil a continuar recolhendo a Contribuição Previdenciária Sobre a Receita Bruta (CPRB), em vez de pagar as contribuições previdenciárias com base na folha salarial. Esta autorização se mantém até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decida colegiadamente sobre a prorrogação da desoneração da folha.
A decisão foi tomada apesar da suspensão de trechos da lei que prorroga a desoneração, feita monocraticamente pelo ministro Cristiano Zanin, do STF. A juíza enfatizou a necessidade de aplicar a anterioridade nonagesimal, que só deve começar a contar a partir de uma eventual decisão colegiada do Plenário do Supremo que mantenha a decisão monocrática.
A empresa de construção envolvida no caso afirmou que, poucos dias após a decisão de Zanin suspendendo a prorrogação da desoneração, a Receita Federal apresentou uma nota informando que todas as empresas beneficiárias deveriam passar a recolher as contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento. Essa medida foi aplicada inclusive para a competência de abril de 2024, embora a decisão de Zanin tenha sido emitida no dia 25 daquele mês e, posteriormente, suspensa pelo próprio ministro.
A empresa argumentou que a aplicação imediata da medida ofendeu a segurança jurídica e a expectativa legítima a não surpresa, não dando tempo para que a impetrante pudesse se organizar financeiramente. Especialistas destacaram que essas idas e vindas sobre a desoneração criaram um cenário de total insegurança jurídica, levando diversos contribuintes ao Judiciário.
Entendendo melhor o caso:
Em 17 de maio, o ministro Cristiano Zanin suspendeu sua própria decisão sobre a prorrogação da desoneração, dando 60 dias para que Legislativo e Executivo chegassem a uma solução consensual. Em 17 de julho, o ministro Edson Fachin prorrogou a medida até 11 de setembro, suspendendo temporariamente os efeitos da decisão que barrou a desoneração.
A disputa entre Legislativo e Executivo, que culminou no Judiciário, envolve a Lei 14.784/2023, que prorrogou a desoneração da folha até 31 de dezembro de 2027. No final de 2023, visando equilibrar as contas públicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a Medida Provisória 1.202/2023. O texto previa a retomada gradual da carga tributária sobre 17 atividades econômicas e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, além da reintrodução da tributação sobre o setor de eventos.
Posteriormente, o Congresso aprovou a Lei 14.784/2023, que, além de prorrogar a desoneração desses setores, diminuiu para 8% a alíquota da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos municípios. A norma foi vetada por Lula, mas o veto foi derrubado pelo Congresso.
Em resposta, o Partido dos Trabalhadores (PT) ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF, questionando a validade de dispositivos da lei. O ministro Zanin suspendeu trechos da norma e depois paralisou os efeitos de sua própria decisão para permitir que o Executivo e o Legislativo chegassem a um consenso.
Este caso ilustra a complexidade das interações entre Executivo, Legislativo e Judiciário na administração de políticas tributárias e fiscais. A decisão da juíza Sílvia Figueiredo Marques destaca a importância de respeitar os princípios constitucionais para assegurar previsibilidade e segurança jurídica às empresas.