O FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – é um tributo criado há mais de 45 anos, embora com outra roupagem, e incide sobre a comercialização dos produtores rurais. Equivale à contribuição previdenciária e visa a financiar a previdência rural.
Dada a vocação do agronegócio do nosso Estado, vale a pena tecer alguns comentários sobre tema, que, embora eivado de tecnicidade, tornou-se familiar e lugar comum no meio dos produtores rurais.
Equivale à contribuição social sobre a folha de pagamento, de 20%, paga pelo empresário urbano. Diferentemente, o empresário rural paga o FUNRURAL: no lugar de 20% sobre a folha, pagava 2,1% sobre tudo que vendesse, se pessoa física, ou 2,6%, se pessoa jurídica, alíquotas diminuídas recentemente.
Ocorre que a lei criou um dever custoso aos compradores de produtos rurais: reter, no ato de pagamento, o FUNRURAL devido pelo produtor (artigos 25 e 30, IV, da Lei 8.212/91). Portanto, quem cumpria a lei acabava sendo desprestigiado nas relações comerciais, pois pagava um valor líquido menor ao adquirir produtos rurais. Isso porque a sonegação do tributo, ou o seu não pagamento ao Fisco, por diversas razões, significava recebimento líquido maior por parte do produtor rural. Como o dever de recolher o tributo era do adquirente das mercadorias, os vendedores muitas vezes preferiam optar pelos que não retinham esses valores.
Desde o seu nascedouro com a roupagem da Lei n. 8.212/91 que o FUNRURAL está eivado de polêmicas. E tudo porque não foi instituído conforme prevê a Constituição Federal. E aqui a celeuma. Isso porque, na elaboração da lei, não se observou o requisito da sua formalidade, dado que apenas lei complementar, cujo quórum de aprovação é mais rígido, poderia criá-lo. Diferentemente, o FUNRURAL foi criado por lei ordinária. Por esta razão, diversas decisões de primeira e segunda instância reconheceram sua inconstitucionalidade, e em 2010 ela foi ratificada pelo STF. Nessa esteira, uma série de liminares foi concedida, autorizando o comprador a não reter o tributo.
No entanto, vendo o risco de perder essa receita no Judiciário, o governo federal promulgou a Lei n. 10.256/2001, numa tentativa de “consertar” os erros das leis anteriores, sem, no entanto, conseguir êxito na justiça, visto que a pecha de
inconstitucionalidade se manteve e foi reconhecida pelo Judiciário nas instâncias inferiores.
Diferentemente do esperado, e para surpresa jurídica, o STF entendeu que as mudanças desta lei foram constitucionais, e fixou a tese de que “é constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”. Essa decisão tomou de surpresa a categoria de interessados que cria piamente na inconstitucionalidade da cobrança, e gerou elevado passivo fiscal a ser parcelado junto ao Fisco.
Contudo, cabe apontar as falhas deste julgamento. Em primeiro lugar, a lei “reinstitui”, em seu artigo 1º, aludido tributo, sem disciplinar os seus aspectos essenciais, quais sejam, principalmente, a base de cálculo e a alíquota. Em segundo lugar, o vício da inconstitucionalidade da Lei 8.212/91 gerou efeitos prospectivos, necessitando de previsão legal expressa para a sub-rogação, tendo em vista a impossibilidade de sub-rogação tácita no ordenamento brasileiro.
Sobre a sub-rogação, tem-se que diante da falta de dispositivo expresso tratando do tema, não há que se falar em responsabilização do crédito pelo comprador dos produtos. Afinal de contas, apenas a lei, respaldada na regra da legalidade, pode atribuir responsabilidade pelo pagamento do tributo àqueles que possuem relação, mesmo que indireta, com o fato gerador do tributo. Portanto, indevida a retenção.
Para além de todas essas discussões, tem-se ainda a possibilidade de realização de planejamento tributário em volta do tributo, por conta das alterações trazidas pela Lei 13.606/2018, relativas a sua base de cálculo. Por meio de simulação, o contribuinte deve verificar qual é a forma de tributação que lhe é mais favorável: (i) cálculo sobre a receita bruta com alíquota de 1,2% para Pessoas Físicas e 1,7% para Pessoas Jurídicas, ou (ii) cálculo tomando como base de cálculo a folha de salários com alíquota de 20%.
As mudanças de entendimento jurisprudencial e as alterações legislativas mostram quão resvaladio é o terreno do direito, escorregando nele até mesmo quem escreve com canetas de ouro. Em tudo isso, o produtor rural e o adquirente de produtos ficam inseguros, sem saber da correção da retenção, perdidos na mixórdia jurídica que favorece os grandes concorrentes, pois veem em decisões políticas isoladas, ao final e ao cabo, a solução final.
Ora, o direito pode até ser justo ou injusto, de determinado jeito ou de outro, mas ele não poder ser inseguro, dado que segurança é elemento definitório do próprio direito.
Harrison Leite
Professor de Direito Tributário e Financeiro da UFBA e da UESC
Advogado