A Teoria do Risco Concreto, fundamento da responsabilidade civil objetiva, preconiza que todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem lhe deu causa, independentemente da existência de dolo ou culpa. Assim, para a aplicação da responsabilização civil, torna-se necessária a demonstração de uma conduta (ação ou omissão), dano atual e certo e nexo de causalidade.
Essa Teoria, criada em meados do século XIX, tratou-se de resposta à mutação social decorrente dos processos de industrialização e desenvolvimento tecnológico que culminaram na Revolução Industrial. Nesse momento histórico, a sociedade era rigorosamente estratificada em classes, sendo os riscos socioambientais conhecidos, previstos e quantificáveis.
Desde então muitas mudanças foram percebidas. Os avanços tecnológicos em todas as áreas sucederam de forma absurdamente rápida e avassaladora, promovendo, de um lado, o progresso de áreas importantes, e, de outro, a destruição do meio ambiente em escalas sem precedentes.
Como consequência desse processo evolutivo acelerado e abrupto, os riscos ambientais passaram a ser globais, imprevisíveis, invisíveis e incalculáveis, de modo que não é mais possível dimensiona-los como outrora.
Nesse contexto, o Professor Délton Winter de Carvalho leciona que:
A passagem desta Teoria do Risco (concreto) para uma Teoria do Risco abstrato (proveniente das teorias sociais de autores tais como Niklas Luhmann, Raffaele De Giorgi e Ulrich Beck) decorre da própria mutação da Sociedade, ou seja, da transição de uma Sociedade Industrial para uma Sociedade de Risco, na qual as indústrias química e atómica demarcam uma produção de riscos globais, invisíveis e de consequências ambientais imprevisíveis. Enquanto os riscos da Sociedade Industrial são concretos (fumo, trânsito, utilização industrial de máquinas de corte, etc), os riscos inerentes à Sociedade de Risco são demarcados por sua invisibilidade, globalidade e imprevisibilidade. Os riscos invisíveis, surgidos em acréscimo aos riscos concretos, apresentam uma nova face, isto é, são imperceptíveis aos sentidos humanos (visão, olfato, tato, audição e gustação). Em que pese o risco tratar-se de uma construção social, esta nova formatação social ressalta a importância do futuro, na qual deve haver sempre a avaliação das consequências futuras das atividades humanas.[1].
Diante da transição da Sociedade Industrial para a Sociedade do Risco e da proliferação de riscos ambientais adimensionais, surge a necessidade de evolução da Teoria do Risco Concreto para a Teoria do Risco Abstrato.
Isso porque, no plano atual, em que os Princípios da Prevenção e da Precaução permeiam e fundamentam todo o Direito Ambiental, não é mais cabível tolerar que o dano tenha que ocorrer para que só então seja possível responsabilizar o agente causador.
Afinal, como é cediço, o meio ambiente dificilmente é recuperado, de modo que o dano deve ser previsto e combatido antes mesmo de existir, pois, caso ocorra, será praticamente impossível retornar ao status quo ante. Nessa diretriz, desnecessária a demonstração de dano atual para aplicação da responsabilidade civil, conforme preleciona a Teoria do Risco Abstrato.
Sobre responsabilização civil pelo dano ambiental futuro, Paulo Affonso Leme Machado assevera:
Quem cria o perigo, por ele é responsável. O perigo, muitas vezes, está associado ao dano: e, dessa forma, não é razoável tratá-los completamente separado. A abordagem teórica, mais encontradiça, do tema ‘responsabilidade civil’ tem focalizado somente os danos causados, deixando de tratar da potencialidade de causar o dano. Os danos causados ao meio ambiente encontram grande dificuldade de serem reparados. É a saúde do homem e a sobrevivência das espécies da fauna e da flora que indicam a necessidade de prevenir e evitar o dano.[2]
Compartilhando o mesmo posicionamento, Annelise Monteiro Steigleder afirma:
A preocupação com o futuro e a percepção da existência dos riscos invisíveis de que fala Beck, típicos da sociedade de risco, demandam uma ruptura com o requisito da atualidade do dano, presente com relação aos danos individuais impostos por uma degradação ao meio ambiente. Se naquele âmbito já se revelavam as dificuldades de tais requisitos, com ainda maior intensidade os problemas se evidenciam quanto aos danos ecológicos, em que vige, como regra, uma situação de irresponsabilidade organizada, definida pela proliferação de normas ambientais com acentuado efeito simbólico, mas pouca potencialidade de implementação.[3]
Nessa diretriz, a passagem de uma análise determinística para uma análise probabilística do risco, bem como a inserção do futuro na interpretação dos processos de tomada decisão jurídica, impõem uma nova noção de risco, marcada, principalmente, pela função de dar condições estruturais para que o Direito, além de investigar, avaliar e gerir os riscos ambientais, se antecipe a ocorrência dos danos ambientais.
Diante de todo o exposto, tem-se que o dano ambiental futuro, entendido como a expectativa de dano iminente de caráter individual ou transindividual ao meio ambiente, com a aplicação da Teoria do Risco Abstrato, representa uma das formas de concretização do maior objetivo do Direito Ambiental: a tutela preventiva do meio ambiente.
[1] CARVALHO, Délton Winter de. A Teoria do dano Ambiental Futuro: A Responsabilização Civil por Riscos Ambientais. Revista Direito e Ambiente. Instituto Lusíada para o Direito do Ambiente. Lisboa, Universidade Lusíada Editora, n. 1, 2009. p.76-77.
[2] VILLEY, Michel. Esquisse historique sur le mot responsable. La Responsabilité a travers lês Ages. pp. 75-89. In: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 413.
[3] STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental do Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 142.