Caso Americanas e o direito à reparação do sócio minoritário por abuso do poder de controle

O caso das Americanas tem tomado os noticiários nacionais. Como um passivo de cerca de 20 bilhões simplesmente se manteve oculto nos balanços da companhia ao longo de anos ainda é um mistério, e as investigações ainda se encontram em curso.

Os efeitos imediatos foram sentidos diretamente no preço das ações, que despencou, tendo uma variação negativa, entre o dia 12/01/2023 (dia D) e (06/02/2023) de cerca de 86,41%.

Nesse cenário questiona-se a possibilidade dos sócios minoritários buscarem reparação civil em razão dos prejuízos patrimoniais suportados.

Via de regra é descabido ao acionista de sociedade anônima de capital aberto, ou seja, cujas ações são negociadas na bolsa de valores, requerer qualquer reparação em razão da queda do valor patrimonial das ações da companhia, ou seja, do preço.

No entanto, uma vez constatado que o prejuízo suportado é decorrente do exercício do abuso do poder de controle por parte do(s) acionista(s), a Lei das Sociedades Anônimas permite a reparação civil. No entanto dúvida persiste sobre a quem caberia a responsabilidade? À sociedade? Ao(s) acionista(s) controlador(es) ou administrador(es)?

As soluções para esses questionamentos se encontram na própria Lei nº 6.404/1976, a chamada Lei das Sociedades por Ações, ou Lei das SA.

O art. 117 da referida lei prevê:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

O art. 159, por sua vez, dispõe:

Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

(…)

  • 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.
  • 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.
  • 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

Da análise do texto legal o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a legitimidade ativa para ajuizar ação visando a reparação civil decorrente de abuso do poder de controle em face do(s) administrador(es) é da sociedade, e não do sócio individualmente considerado, o qual poderá, no entanto, face a inércia da sociedade após a aprovação em assembleia (§3º), ou caso este detenha mais de 5% do capital (§4º). Seriam estas hipóteses de substituição processual. Ou seja, o sócio minoritário proporia ação de reparação em nome da companhia, e esta que seria reparada, não o sócio minoritário pessoalmente.

O sócio minoritário tem legitimidade, no entanto, para ajuizar ação de reparação civil, em nome próprio e individualmente considerado, pelos danos decorrentes do abuso do poder de controle do(s) administrador(res) em face da própria companhia. Embora esta também se apresente como vítima do abuso perpetrado pelo(s) administrador(es), razão pela qual é legitimada para buscar a responsabilização destes, a lei protege o sócio minoritário, permitindo-lhe a reparação em face da sociedade, a qual poderá buscar o ressarcimento em face dos controlador(es).

Para que o sócio minoritário possa, individual e em nome próprio, ajuizar ação de reparação civil em face do(s) administrador(es) ou sócio(s) controlador(es), conforme previsão no §7º do art. 159, o STJ tem entendido que o dano deve ser direto, não tendo legitimidade o acionista que sofre prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou acionista controlador (REsp. nº 1.214.497 – RJ).

Considerando que os prejuízos suportados pelos acionistas minoritários das Americanas S/A são indiretamente decorrentes dos atos praticados pelos acionistas controladores e administradores, concluímos que estes são legitimados para ajuizar ação buscando a reparação pela perda patrimonial das ações em face da própria companhia, a qual, por sua vez poderá buscar o ressarcimento em face dos administradores e acionistas controladores, não sendo possível, no entanto, aos acionistas minoritários litigarem diretamente e em nome próprio em face dos controladores.