Ação de Improbidade Administrativa: STJ cria exceção ao CPC

No dia 04/05/2021 a 2ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 1925492-RJ, prolatou Acórdão que, em apertada síntese, decidiu que em face de todas as decisões interlocutórias proferidas em Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa são recorríveis por meio de Agravo de Instrumento.

Com isso, a 2ª Turma do STJ estabeleceu importante exceção à regra geral prevista no Código de Processo Civil no art. 1.015 de que, somente nas hipóteses ali elencadas é que seria possível a utilização do Agravo de Instrumento para atacar decisão interlocutória.

De acordo com o Tribunal, o fundamento para a exceção se dá pela aplicação do art. 19, §1º da Lei da Ação Popular. Adotado o entendimento da existência de um microssistema de tutela dos direitos difusos e coletivos, todas as leis que tratem sobre o tema e que prevejam instrumentos de tutela, devem se inter-relacionar e serem aplicadas como integrantes do mesmo sistema de proteção.

A proteção dos direitos difusos e coletivos não se limita, por exemplo, ao CDC, mas, se complementa e depende da Lei da Ação Popular e da Lei da Ação Civil Pública. Com isso, estabelece-se verdadeiro microssistema processual com vistas à tutela dos direitos difusos e coletivos.

A partir disso, ainda que seja uma norma, como no caso, estabelecida no art. 19, §1º da Lei da Ação Popular prevendo a recorribilidade de todas as decisões interlocutórias, em razão do reconhecimento do microssistema, é possível sua aplicação aos procedimentos regidos pela Lei da Ação Civil Pública.

Portanto, considerando que há norma específica (art. 19, §1º da Lei da Ação Popular) que excepciona a norma geral do CPC (art. 1.015), nos procedimentos regulados pela Lei da Ação Civil Pública as decisões interlocutórias são todas recorríveis por meio de Agravo de Instrumento.

Autor: Pedro Pablo

OPINIÃO: A possibilidade de reajuste de servidor sob a égide da LC nº 173/20

Por Artur Leandro Veloso de Souza e Harrison Leite


A LC nº 173/2020, elaborada especialmente para estabelecer o Programa Federativo de Enfrentamento à Pandemia, ainda apresenta dúvidas na sua aplicação. A que nos ateremos diz respeito aos requisitos para aplicação das medidas restritivas do seu artigo 8º, proibitivas, em geral, do aumento de gasto com pessoal até 31 de dezembro deste ano.

O tema encerra caloroso debate, principalmente por se tratar de despesa de crescimento obrigatório, seja em virtude dos planos de cargos e salários, da revisão geral anual (artigo 37, X da CF/88), dos gastos mínimos em educação e saúde — que, no caso da educação, acabou por reduzir certos custos com a manutenção do ensino, de sorte a se alcançar o piso de gasto pela via salarial — ou de pressão de determinada categoria organizada.

Sua razão justificadora é compreensível: em tempos pandêmicos, todo o esforço financeiro deverá ser alocado no combate à pandemia, de sorte que algum sacrifício deve ser feito pela categoria de servidores, uma vez que, amparados pela estabilidade e pela impossibilidade de redução de vencimentos, seria possível suportar, durante quase dois anos, ausência de acréscimo remuneratório.

No ponto, o Parecer nº 27/2020 confeccionado por ocasião do trâmite do processo legislativo que culminou com a Lei Complementar nº 173/2020, do relator senador Davi Alcolumbre, foi claro ao discorrer que a mesma se dava no bojo da implementação do controle de despesas de custeio pelos entes subnacionais até o final do exercício de 2021:

“Por fim, tenho perfeita compreensão de que períodos de calamidade como o atual requerem aumentos de gastos públicos, tanto destinados a ações na área da saúde, como em áreas relativas à assistência social e preservação da atividade econômica. Por outro lado, é necessário pensar no Brasil pós-pandemia. O aumento dos gastos hoje implicará maior conta a ser paga no futuro. A situação é ainda mais delicada porque já estamos com elevado grau de endividamento. Dessa forma, para minimizar o impacto futuro sobre as finanças públicas, proponho limitar o crescimento de gastos com pessoal, bem como a criação de despesas obrigatórias até 31/12/2021 [1] (grifo dos autores).

Diante desse cenário, importa conhecer o enunciado alvo de conflitos, aqui apenas citado o caput do artigo 8º da LC nº 173:

“Artigo 8º — Na hipótese de que trata o artigo 65 da Lei Complementar nº 101, de 4/5/2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31/12/2021, de:”.

Na sequência, seus incisos elencam uma série de restrições, entre elas concessão de aumento, criação de cargos, contratação de pessoal, realização de concurso público, entre outras.

Note-se que sua aplicação se dá quando presentes os elementos fáticos do artigo 65 da LC nº 101/00, dispositivo que trata da calamidade pública. Pelo artigo 65 da LC nº 101/00, a calamidade pública deve ser reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos estados e municípios. Portanto, condição sine qua non para aplicação do artigo 8º é a ocorrência do fenômeno “calamidade pública” reconhecido pelo Legislativo.

No âmbito nacional, a calamidade pública foi reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, que atestou o estado de calamidade até 31/12/2020. Em que pese não ter sido prorrogado, o STF, quando do julgamento da ADI 6625, estendeu a vigência de dispositivos da Lei nº 13.979/20, que estabelecem medidas sanitárias para combater à pandemia, muito embora a mesma estivesse vinculada ao Decreto Legislativo 6/2020. Nesse sentido, por todos é sabido que o estado pandêmico ainda não terminou. Portanto, para a União, há reflexos dessa decisão a demandar aplicação específica da referida norma.

Baseado nessa realidade, e instada a se manifestar sobre o artigo 8º da LC nº 173/20, a Advocacia Geral da União (AGU), em uma série de pareceres, tem se posicionado que as limitações impostas por esse artigo devem ser interpretadas restritivamente:

“(…) Por essa razão, entende-se que o mais adequado é adotar uma interpretação estritamente literal do dispositivo em questão, de modo a considerar que toda e qualquer vacância de cargo efetivo ou vitalício, independente de quando tenha ocorrido, poderá ser preenchida durante a vigência do regime restritivo de que trata o caput do artigo 8º da LC nº 173, de 2020, que, conforme assentado no Parecer SEI nº 10970/2020/ME, engloba o período de 28/5/2020, quando entrou em vigor a LC nº 173, de 2020, a 31/12/2021, marco final definido no caput do artigo 8º em comento.
14. Esse norte é, inclusive, mais condizente com a lógica de seguir tradicional cânone interpretativo de se fazer uma exegese restrita para preceitos normativos que intentam promover limitação de atuação legiferante e administrativa, a exemplo do artigo 8º da Lei Complementar em testilha. (…)” [2] (grifos dos autores).

Ainda seguindo essa linha, para a AGU, as regras de contenção de despesas previstas no artigo 8º demandam, cumulativamente, que o ente subnacional esteja sob efeitos da decretação de calamidade pública e que as restrições se estendam até 31/12/2021, verbis:

“43. Outrossim, a vedação contida nos incisos do artigo 8º da Lei Complementar nº 173, de 2020, tanto é temporária (até 31 de dezembro de 2021), quanto, cumulativamente, é condicionada à hipótese prevista no artigo 65 da Lei Complementar nº 101/2000, isto é, à ocorrência de calamidade pública (especificamente, decorrente da pandemia da Covid-19) reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação” (grifo dos autores).

Portanto, inegável que, para aplicação do artigo 8º da lei analisada, deve estar em vigor uma norma que reconheça a calamidade pública, nos termos da competência atribuída pelo artigo 65 da LC nº 101/00, qual seja, no caso de União, Congresso Nacional ou Assembleias Legislativas, na hipótese dos estados e municípios. Lado outro, não havendo estado de calamidade pública decretado por esses poderes, não há situação fática que permita a aplicação do artigo 8º da lei em análise.

E isso se retira tanto da literalidade do dispositivo legal quanto das posições fixadas pela AGU e pelo presidente da República. Fica claro, portanto, que na hipótese de o ente não estar sob a vigência de decretação de calamidade pública não vigoram às restrições prescritas no Artigo 8º.

Portanto, cada ente federativo, ao analisar a sua situação fática, verá se a hipótese é de decretação da calamidade pública. Não havendo esse reconhecimento legal, inocorre um dos requisitos para a aplicação do artigo 8º da LC nº 173/2020.

É que a aplicação do artigo 8º requer cumulativamente dois requisitos: um temporal e um fático. O primeiro diz com sua expressa redação, por ser norma temporária, com validade até 31/12/2021. Nesse sentido, e apenas a título de exemplo, o Tribunal de Contas e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editaram o Ato Normativo Nº 01 — TJSPP/TCESP/MPSP — 3/6/2020, fixando expressamente as limitações do artigo 8º ao longo do período de 27/5/2020 a 31/12/2021. O fático diz com a vigência de decreto reconhecendo a calamidade pública. É dizer, ente federativo que não está sob efeitos dessa decretação, carece um requisito de aplicação do artigo em referência, de sorte que a ele não cabem as restrições da LC nº 173/20.

Esse, a nosso juízo, o entendimento que se retira do artigo 8º da aludida lei. No ponto, a literalidade resolve. Mas, ainda que assim não fosse, haveria outros elementos a justificar essa interpretação, a depender da realidade financeira de cada ente federativo e das escolhas políticas acertadas que fizeram ao longo do tempo. Ensina-nos Carlos Maximiliano sobre o tema:

“m) Guia-se bem o hermeneuta por meio do processo verbal quando claros e apropriados os termos da norma positiva, ou do ato jurídico (19). Entretanto, não é absoluto o preceito; porque a linguagem, embora perfeita na aparência, pode ser inexata; não raro, aplicados a um texto, lúcido à primeira vista, outros elementos de interpretação, conduzem a resultado diverso do obtido com o só emprego do processo filológico (20). Sobretudo em se tratando de atos jurídicos, a justiça e o dever precípuo de fazer prevalecer a vontade real conduzem a decidir contra a letra explícita, fruto, às vezes, de um engano ao redigirem (21)” (grifo dos autores) [3].

Nessa linha de raciocínio, a interpretação das limitações contidas no artigo 8º deve ser tomada em duplo raciocínio. Primeiro, se o ente federativo tiver assegurado recursos suficientes para o combate à Covid-19, a limitação das despesas de custeio imposta pelo artigo 8º não é aplicável, pois a finalidade da norma — restringir em gastos de pessoal para aplicar em combate à pandemia — restou atingida. Segundo, se o ente não estiver sob os efeitos de reconhecimento de situação de calamidade pública por seu correspectivo Poder Legislativo, também a norma deve ser afastada.

Nessa dimensão, tendo o ente salvaguardado recursos financeiros suficientes para enfrentar os efeitos deletérios da pandemia da Covid-19, bem como não submetido a calamidade pública, não se impõem às limitações previstas no artigo 8º.

FONTE: https://www.conjur.com.br/2021-jul-20/leite-veloso-reajuste-servidor-egide-lc-17320

[1] Página 34 do Parecer (disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8103880&ts=1592596292176&disposition=inline> Acesso em: 22/06/2020).

[2] Parecer SEI nº 13053/2020/ME citado PARECER nº 00159/2021/PGFN/AGU:

[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 92.


Artur Leandro Veloso de Souza é procurador do Estado de Santa Catarina.

Harrison Leite é professor de Direito Financeiro e Tributário da UFBA e da UESC.